O Retorno da White Wolf: a Nova Era do Mundo das Trevas (Artifício RPG)

O Retorno da White Wolf: a Nova Era do Mundo das Trevas (Artifício RPG)

O Retorno da White Wolf: a Nova Era do Mundo das Trevas (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa
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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!

Há um cheiro metálico no ar. Um zumbido vindo do passado, um eco de 1991 batendo na porta de 2025 como se a Tormenta tivesse voltado — mas com elegância, maquiagem gótica e pretensões editoriais. A entrevista de Jason Carl à Forbes, publicada no dia 26/05, não é só mais uma nota sobre reformulações de marca ou sobre uma nova fase da linha Mundo das Trevas. É o anúncio formal de um renascimento. A White Wolf, nome que já foi sussurro nas noites da juventude de muitos narradores e jogadores, está de volta. Não como fantasma — mas como empresa de verdade. E, ao que tudo indica, faminta.

O texto da Forbes, assinado por Rob Wieland, abre com reverência histórica: menciona 1991, a estreia de Vampiro: A Máscara e o surgimento do fenômeno da White Wolf como um divisor de águas nos RPGs modernos. Mas rapidamente entrega o que importa: o nome Mundo das Trevas, que nos últimos anos servia de guarda-chuva para dezenas de licenciamentos, vai se curvar ao símbolo do lobo branco. Não por nostalgia, mas por estratégia de mercado. Segundo Carl, “era necessário evitar confusão com os fãs”. A frase pode soar como burocracia corporativa, mas carrega uma nuance que qualquer fã veterano do WoD entende: há uma diferença brutal entre jogar um produto licenciado e se perder em um mundo feito por quem tem sangue nos olhos.

A White Wolf volta agora como unidade editorial. Com direito a desenvolvimento de IP centralizado, expansão direta para jogos digitais e físicos, e uma promessa implícita de retomar as rédeas do que é canônico no universo sombrio de seus jogos. E é aí que o debate começa.

O Que Está em Jogo com o Retorno da White Wolf?

Carl é claro: a reativação da marca não é apenas estética. É um movimento de reposicionamento editorial. Ao assumir o controle direto da produção — inclusive de videogames como Bloodlines 2, previsto para outubro de 2025 —, a White Wolf indica que não quer apenas licenciar. Quer moldar. Dominar. Centralizar.

O que se tenta fazer aqui não é apenas reviver um selo. É retomar o domínio sobre o imaginário de uma comunidade que passou mais de uma década órfã, alternando entre produtos medianos e adaptações feitas por terceiros. Desde a polêmica venda da White Wolf à CCP Games em 2006, e depois à Paradox, o nome perdeu sua mordida. Em vez de editoras góticas, tivemos conselhos corporativos. Em vez de narrativa ousada, tivemos metaplots congelados. Em vez de provocação, tivemos protocolo.

Agora, Carl fala como quem saiu do sarcófago com sede. “Precisamos voltar a ser publishers. Não só de RPGs de mesa, mas de videogames e outros produtos.” Em tradução direta: a White Wolf quer controlar a narrativa de novo. A canonização de eventos, personagens e ambientações que ficaram largados à própria sorte — como os quadrinhos Winter’s Teeth ou os personagens de Night Road — voltará a ser centralizada. Não mais como bagunça de licenciado para licenciado, mas como uma construção editorial planejada, com começo, meio e propósito narrativo.

Esse tipo de estrutura é raro em RPGs. E arriscado. Mas também pode ser exatamente o que o cenário precisava.

A promessa: uma nova era de publicação unificada

Renegade Game Studios continuará publicando Vampiro: A Máscara, Caçador: A Revanche e Lobisomem: O Apocalipse, mas com a White Wolf retomando as decisões centrais sobre o que é o “mundo oficial”. Segundo Carl, “não há mudanças imediatas”, mas as entrelinhas são claras: o caminho agora é vertical. As decisões criativas voltarão ao núcleo da empresa.

Isso pode parecer autoritário para quem se acostumou com a descentralização dos últimos anos — mas há um ganho estratégico aqui. O RPG de mesa sempre sofreu com a esquizofrenia editorial. Linhas inteiras se contradiziam, suplementos se tornavam obsoletos em menos de dois anos, e os fãs acabavam assumindo o papel de editores improvisados. A nova White Wolf quer acabar com isso. Quer fazer o que a Wizards of the Coast falhou em fazer com D&D nos últimos ciclos: centralizar sem sufocar, planejar sem mecanizar.

A questão que fica é: será que conseguirão?

A Ferida Aberta do V5 — e o que pode vir depois

Vampiro: A Máscara 5e foi lançado em 2018. De lá pra cá, passou por remendos, adições de suplementos, reformulações de temas e edições regionais com graus variados de qualidade. Como bem lembrou Carl, “há interesse em consolidar tudo que foi lançado até agora em um formato único, talvez uma edição compacta de V5”. Mas sem data. Sem compromisso. Sem nem ao menos saber se será um PDF, um luxo de capa dura ou uma edição de bolso. Tudo está na nuvem da intenção.

E isso é perigoso.

O V5, apesar de visualmente impressionante e conceitualmente ousado, deixou um rastro de inconsistência mecânica e uma trilha de críticas sobre tom, conteúdo e jogabilidade. A base de fãs se dividiu. Houve quem amasse o sistema de humanidade reescrito e os vínculos de sangue reformulados. Mas também houve quem denunciasse a mecânica de crônicas como rígida, a ficha como mal diagramada e a centralização das decisões de metaplot como uma limitação à liberdade de mesa. O V5 nunca foi consenso. E talvez nunca seja.

Mas o que o retorno da White Wolf traz é a possibilidade de fazer algo que poucos RPGs conseguem depois de sete anos: uma redenção editorial.

Se conseguirem condensar os melhores aspectos do V5, eliminar as redundâncias, resolver as inconsistências e, sobretudo, ouvir a comunidade sem cair no fan service rasteiro, então talvez estejamos à beira de uma versão refinada, que traga de volta não apenas os fãs de outrora, mas uma nova geração que olha para os monstros como metáfora — não só como ficha.

White Wolf Como Editora de videogames?

O primeiro produto sob o novo selo será o já adiado Bloodlines 2. E aqui, Jason Carl entrega o jogo: a White Wolf não será só uma editora de livros de RPG. Ela pretende, sim, entrar nos jogos digitais, nas graphic novels, nos boardgames — e no que mais couber dentro da IP. Isso a coloca em rota de colisão com as grandes IPs multimídia como Dungeons & Dragons, que ainda patina em sua adaptação cinematográfica e não tem um jogo eletrônico à altura desde Baldur’s Gate 3.

Se bem-sucedida, a nova White Wolf pode estabelecer um modelo de transmedia bem articulado, algo que a maioria das editoras de RPG tenta há décadas sem sucesso. Mas é bom lembrar: a primeira tentativa de adaptação de Bloodlines 2 foi um desastre, marcada por trocas de estúdios, crises de liderança e ausência de direção criativa. A volta do selo não apaga esse histórico.

No entanto, há um otimismo contido no ar. Afinal, poucos jogos despertaram tanta paixão quanto o Bloodlines original. Ele foi uma cápsula de tudo que a White Wolf fazia de melhor: estilo, drama, política, brutalidade. Um épico gótico digital que muitos consideram até hoje o melhor CRPG já feito. A aposta no 2 pode ser, ao mesmo tempo, perigosa e necessária.

Afinal, se o jogo for bom, ele valida toda a reestruturação. Se falhar, será difícil recuperar a confiança — mesmo com mil suplementos lançados em capa dura.

O Retorno do Lobo: O Que o Reerguimento da White Wolf Diz Sobre o Cenário Atual do RPG

Se a primeira metade da entrevista de Jason Carl expõe o plano: centralizar, publicar e consolidar; a segunda é onde aparecem os fantasmas. Fantasmas esses que carregam o nome de Paradox Interactive — a empresa sueca que comprou a White Wolf em 2015 com promessas de cuidado, mas entregou quase uma década de paralisia editorial, terceirizações e confusão identitária.

Jason Carl é diplomático na entrevista à Forbes, mas qualquer leitor atento lê o subtexto: houve uma falha de direção. O projeto Mundo das Trevas, sob a égide corporativa da Paradox, virou um conglomerado de licenças que se contradiziam, uma colcha de retalhos onde RPG, videogame e quadrinhos se ignoravam mutuamente. A estrutura editorial da Paradox foi, por anos, o oposto do que a White Wolf representava: descentralizada, fria, amarrada a métricas de produto e dependente de estúdios externos para manter viva a marca. O horror pessoal virou horror burocrático.

Essa fragmentação teve efeitos concretos. A comunidade internacional ficou perdida em relação ao que era cânone. Suplementos que não se conversavam. Um Players Guide que parecia remendar os erros de uma edição que ainda não sabia para onde ia. Quadrinhos lançados como spin-offs sem qualquer integração ao metaplot. E tudo isso num sistema cuja proposta era justamente a de ser um “mundo unificado”, uma realidade paralela espelhada à nossa.

Esse tipo de erro não é só uma questão de licenciamento descoordenado — é uma traição ao DNA do Mundo das Trevas, que sempre foi meticuloso em tecer suas conexões internas, por mais desorganizadas que fossem na superfície. E aqui começa a comparação inevitável com outros retornos famosos do RPG.

TSR, Ravenloft e o espelho do fracasso

Em 2021, a Wizards of the Coast decidiu ressuscitar Ravenloft com o livro Van Richten’s Guide to Ravenloft, reformulando o cenário para os padrões narrativos da 5ª edição de Dungeons & Dragons. O resultado? Um produto mecanicamente viável, mas espiritualmente esvaziado. A complexidade psicológica de Strahd virou um template para “vilões góticos de outros domínios”, com o horror sendo diluído em versatilidade temática. O gótico virou acessório, o medo virou “inspiração narrativa”. Uma espécie de Mundo das Trevas sem dentes.

O caso da NuTSR (a tentativa fracassada de resgatar a marca TSR como concorrente direta da Wizards) foi ainda mais ruidoso: promessas vazias, apelos ao “true old-school”, guerras culturais e nenhum produto de fato relevante. O nome virou piada. Porque ressurreição de marca, em RPG, não é um ritual simples. Você não acorda um morto-vivo só com um símbolo e um nome antigo. Precisa haver alma.

E o que a nova White Wolf tenta fazer é exatamente isso: restituir a alma. Não como nostalgia, mas como identidade. Não como produto licenciado, mas como ato editorial. A diferença entre uma marca reativada e um jogo com propósito está nos detalhes — e é aqui que os olhos da comunidade se voltam para o que Carl chama de “ambiente criativo centralizado”. Porque qualquer um pode imprimir um manual com o logo de um lobo. Mas recriar o sentimento de 1991 exige mais do que branding: exige compromisso narrativo.

O novo ecossistema: Free League, Chaosium e Critical Role

O retorno da White Wolf acontece num cenário radicalmente diferente do que existia na virada do milênio. Nos anos 90, os jogos narrativos tinham nomes limitados: Storyteller System da White Wolf, Ars Magica, talvez Pendragon. Hoje, o panorama é uma selva de ofertas.

A Free League Publishing (ou Fria Ligan) se consolidou como editora cultuadíssima, com Vaesen, Mörk Borg, Tales from the Loop e o sistema Year Zero. Seus produtos são coesos, artisticamente autorais e vendidos como experiências estéticas completas. O horror nórdico e o realismo mágico da editora impõem um novo padrão de sofisticação formal, que desafia diretamente a estética mais tradicional do WoD. A Free League é o que a White Wolf foi nos anos 90: a editora cool, independente e ousada. A diferença é que ela é, de fato, independente. E tem lançado jogos inovadores de maneira consistente — algo que a antiga White Wolf abandonou desde Changeling: The Lost.

Do outro lado, a Chaosium — guardiã de Call of Cthulhu — decidiu sair da sombra acadêmica e embarcar numa reformulação agressiva de seus sistemas, começando pela 7ª edição do CoC, continuando com RuneQuest e expandindo com parcerias globais (incluindo um renascimento do BRP em versão genérica). Seus jogos nunca dependeram de metaplot, mas sim de coerência mitológica e densidade investigativa. E têm crescido. A White Wolf, se quiser reconquistar o espaço de “horror sofisticado”, terá de competir diretamente com esses sistemas que já entregam maturidade temática sem o peso da canonização.

E há o elefante na sala: Critical Role. Não como sistema, mas como mídia. O novo ecossistema do RPG gira em torno da transmissibilidade. E se a White Wolf quer se tornar publisher de novo, ela terá que entender que não basta lançar livros. É preciso criar experiências jogáveis que também sejam transmissíveis, que encantem audiências passivas, que gerem conteúdo derivado, que se tornem referências estéticas para streams, reels, clipes. E aqui, Daggerheart já entrou no ringue como o sistema “feito para streamar”. A White Wolf terá que decidir: vai dialogar com essa linguagem ou vai se manter no altar do papel?

Aliás, o Artifício RPG já abordou como sistemas como o Daggerheart estão sendo moldados para os olhos de uma audiência antes mesmo de serem testados em mesa. Essa inversão do ciclo de produção — onde a estética precede a mecânica — é um terreno perigoso para uma editora que sempre priorizou o simbolismo, a política e a monstruosidade como lentes de jogo. A White Wolf terá fôlego para competir num mercado que agora exige trailer, influencer, youtuber e vídeo de unboxing?

A Crítica Necessária: para Onde Deve ir a nova White Wolf?

Para além do entusiasmo da reestruturação, há perguntas que precisam ser feitas — e não com base em fandom, mas em crítica editorial. A nova White Wolf não pode repetir os erros da Paradox. Não pode ignorar que RPGs são linguagem antes de serem IP. Não pode continuar com a ideia de que todos os seus produtos precisam ser “canonizáveis” e ao mesmo tempo flexíveis para qualquer mesa. Essa contradição foi o calcanhar de Aquiles do V5.

Se quiser ser relevante, a White Wolf precisa publicar menos suplementos redundantes e mais propostas ousadas. Precisa abandonar o medo da fragmentação e investir na multiplicidade de experiências. Precisa fazer o que Mörk Borg fez: mostrar que um RPG pode ser um manifesto gráfico. Precisa fazer o que Call of Cthulhu fez: mostrar que simplicidade pode gerar profundidade. Precisa fazer o que Brindlewood Bay fez: subverter o gênero com leveza e estranheza.

Sobretudo, a White Wolf precisa parar de tentar explicar seus jogos — e voltar a provocá-los. Precisa lembrar que o horror é mais eficaz quando se esconde nas entrelinhas. Que o gótico não é só decoração, é estrutura. Que um vampiro nunca é só um vampiro — e que o narrador, como o monstro, precisa estar em conflito consigo mesmo.

E talvez isso comece com um gesto simples: ouvir.

Ouvir não só os jogadores. Ouvir também os críticos. Aqueles que, como propõe o próprio Artifício RPG, se atrevem a olhar para os sistemas como estruturas artísticas, editoriais, simbólicas. Que entendem que uma ficha de personagem é uma forma de literatura condensada. Que sabem que um suplemento ruim pode ser mais revelador do que um bom.

Que têm coragem de dizer — como fizemos com Candela Obscura, com Daggerheart e com Vampire V5 — quando uma proposta editorial falha em seu próprio objetivo.

O post O Retorno da White Wolf: a Nova Era do Mundo das Trevas foi escrito pelo Artifício RPG, especialista em conteúdo de RPG em Português!

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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!
O retorno da editora White Wolf com Jason Carl à frente. Saiba o que muda para Vampiro: A Máscara, Bloodlines 2 e o futuro do Mundo das Trevas.
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Charles Corrêa
Charles Corrêa

Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas "Overmix" ou "Nandivh", é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.

No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.

Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.

Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.

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