H.P. Lovecraft foi um dos mestres do horror cósmico, conhecido por criar histórias que mergulham o leitor em um universo de mistério, desespero e a sensação de insignificância diante de forças incompreensíveis. Seu conto “A Cor que Caiu do Céu” é uma das obras mais representativas desse estilo, onde um fenômeno inexplicável transforma a natureza e as pessoas ao seu redor, deixando um rastro de loucura e destruição.
Este conto, “Sussurros no Horizonte“, é inspirado diretamente nesse universo lovecraftiano. Embora não siga exatamente o enredo da obra original, ele carrega os temas centrais que tornaram Lovecraft um ícone da literatura de horror. É quase uma homenagem a esse mestre do gênero, explorando o medo do desconhecido e a inevitável subjugação da humanidade diante de forças além de nossa compreensão.
Se você gosta de narrativas que mexem com a mente, misturando horror psicológico e elementos sobrenaturais, este conto certamente irá capturar sua atenção. Bem-vindo ao terror cósmico de Holmhill.
Parte 1: A Chegada
Holmhill era o tipo de cidade esquecida pelo tempo, onde os dias seguiam um ciclo repetitivo e inabalável. Situada entre colinas suaves e campos extensos, sua população mal ultrapassava algumas centenas, e seus habitantes raramente viam uma mudança significativa em suas rotinas. O céu, sempre límpido e vasto, estendia-se em todas as direções, uma tela azul onde o sol lentamente percorria seu caminho, de leste a oeste, sem surpresas.
Foi numa tarde particularmente insípida que algo, algo que não pertencia a este mundo, perfurou o véu da normalidade. Começou como um brilho tênue no horizonte — uma luz que nenhum dos habitantes poderia explicar. Seu tom não era de nenhum azul celeste, nem o vermelho quente dos ocasos; era uma cor que parecia mudar constantemente, escorregadia, jamais permanecendo a mesma quando fixavam o olhar. No início, as pessoas de Holmhill a notaram com um desinteresse tímido, atribuindo a estranha manifestação a um fenômeno meteorológico distante. No entanto, à medida que o dia se estendia, o brilho tornava-se mais intenso, mais pulsante, até se assemelhar a uma ferida aberta no céu.
Ninguém podia dizer ao certo de onde vinha. A velha torre da igreja, que se erguia como o ponto mais alto da cidade, parecia apontar diretamente para o epicentro daquela luminosidade desconcertante. O ar parecia mais denso, saturado de algo imperceptível, e, com o cair da noite, um silêncio opressor tomou conta das ruas. Mesmo os mais falantes, os velhos que ocupavam os bancos da praça central, ficaram estranhamente calados, como se um peso invisível houvesse descido sobre seus ombros.
Na manhã seguinte, os campos, outrora verdejantes, estavam cobertos por uma névoa fina e leitosa, uma cortina nebulosa que dava à paisagem um tom irreal, como se Holmhill tivesse sido deslocada para outro mundo durante a noite. Foi neste cenário que os forasteiros chegaram.
Os moradores, curiosos e desconfiados, observavam de longe enquanto uma velha van, desgastada e suja, parava na praça principal. Quatro figuras saíram de dentro do veículo, cobertas por trajes que mais pareciam projetados para um mundo estranho, do que para uma simples cidade de fazendeiros. Suas roupas, grossas e pesadas, pareciam isolar seus corpos do ar ao redor, como se eles estivessem cientes de algo que os habitantes de Holmhill não podiam perceber.
O líder do grupo, um homem magro e de feições severas, que se apresentou como Dr. Harland, não perdeu tempo. Ele e seus assistentes começaram a descarregar equipamentos estranhos: grandes caixas de metal, tripés com máquinas que emitiam um zumbido baixo e contínuo, e instrumentos cujas funções eram impossíveis de adivinhar. Os habitantes, acostumados ao velho e ao conhecido, olharam com crescente inquietação para os recém-chegados. O brilho no horizonte parecia aumentar sua intensidade cada vez que um dos aparelhos era ligado, como se houvesse uma ligação sinistra entre a chegada do grupo e a inexplicável anomalia no céu.
Curioso, mas ao mesmo tempo cauteloso, o Sr. Caldwell, o fazendeiro mais antigo da região, aproximou-se do grupo. Ele era um homem de poucas palavras, mas de grande respeito entre os habitantes. “O que vocês acham que é isso?” ele perguntou, apontando para a luz que parecia consumir o horizonte. O Dr. Harland, sem sequer levantar os olhos do pequeno dispositivo que estava ajustando, murmurou algo vago sobre uma “anomalia atmosférica” e um “ponto de intersecção eletromagnética”. Palavras que não significavam absolutamente nada para Caldwell.
A resposta do cientista não trouxe conforto. Pelo contrário, plantou a primeira semente de desconfiança entre os moradores. O que esses forasteiros realmente queriam em Holmhill? Por que pareciam tão alheios ao medo que crescia dentro de cada habitante? E, acima de tudo, o que havia mudado nos céus desde a chegada deles?
Ao anoitecer, a luz no horizonte parecia ter engolido o crepúsculo. Uma aurora perversa, vibrante e pulsante, que distorcia as sombras e fazia com que o tempo parecesse deslocado. E foi então que as primeiras estrelas começaram a desaparecer.
Parte 2: A Mudança
Os dias que se seguiram à chegada dos forasteiros foram marcados por uma transformação gradual, porém inegável. As primeiras mudanças começaram nos campos, onde a terra, antes fértil e familiar, passou a exibir um tom desbotado e insalubre. Os fazendeiros, acostumados com as nuances das estações e do solo, notaram que as colheitas se tornavam erráticas. As plantas que germinavam possuíam uma aparência… errada. Os caules eram finos e retorcidos, com folhas de cores que nunca deveriam existir na natureza — um verde que parecia transbordar para o lilás, um dourado que brilhava mesmo na sombra, um azul que pulsava com uma leve luminescência à noite.
A princípio, a população de Holmhill tentou ignorar essas pequenas anomalias, atribuindo-as a efeitos sazonais ou, como alguns sussurravam, ao simples capricho da natureza. Mas conforme os dias avançavam, a estranheza apenas se intensificava. As plantas tornaram-se mais agressivas, crescendo de maneira descontrolada, seus ramos se entrelaçando como se fossem criaturas vivas, buscando algo na atmosfera carregada ao redor.
Eram os animais, no entanto, que realmente assustavam os moradores.
As vacas nas pastagens começaram a exibir comportamentos inquietantes. Onde antes pastavam em silêncio, agora permaneciam paradas por longos períodos, encarando o vazio com olhos sem brilho. Quando se moviam, seus passos eram incertos, como se estivessem desorientadas. Cães uivavam incessantemente à noite, seus olhos dilatados, fixos no céu, enquanto ovelhas, antes tranquilas, tornavam-se agitadas, tentando escapar de seus cercados como se estivessem fugindo de um predador invisível.
Os forasteiros, por outro lado, pareciam imunes ao crescente pavor que infestava a cidade. Continuavam suas medições e anotações, movendo-se com precisão e objetividade frias, como se não fossem afetados pelas transformações ao redor. O Dr. Harland e sua equipe passavam dias inteiros em campo, apontando seus instrumentos para a luz no horizonte, murmurando entre si em um jargão técnico incompreensível para os habitantes locais.
No entanto, a presença deles não era meramente ignorada pelos cidadãos de Holmhill; na verdade, começava a despertar algo mais sombrio. À medida que o brilho no céu aumentava, a paranoia crescia como uma praga silenciosa entre os moradores. Comentários que antes eram sutis, como o de Caldwell sobre a estranheza das roupas dos forasteiros, tornaram-se acusações mais diretas. Sussurros percorriam as casas e os estabelecimentos locais, e uma nova suspeita se instalava: os forasteiros haviam trazido consigo aquela maldição.
Alguns alegavam que eles estavam cavando a terra, procurando por algo que não deveriam. Outros juravam que as estranhas máquinas que traziam eram a fonte de todo o problema. Certo dia, uma jovem chamada Emma, conhecida por sua curiosidade, aproximou-se demais do acampamento dos pesquisadores e ouviu partes de uma conversa que gelou seu sangue.
“…o ponto de impacto está se expandindo,” sibilou um dos assistentes de Harland. “As leituras estão além do que esperávamos. Se continuar, não sabemos até onde isso vai alcançar.”
A menina, apavorada, correu de volta para casa, suas palavras se espalhando pela cidade como fogo em palha seca. Holmhill, que outrora era um lugar de tranquilidade rural, tornou-se um poço fervilhante de incertezas. À medida que os dias se passavam, ninguém mais confiava plenamente nos vizinhos. Havia um medo profundo e inexplicável no ar, algo que fazia as pessoas trancarem suas portas e janelas com mais força à noite. Os olhos vigilantes dos moradores seguiam cada movimento dos forasteiros, e, à medida que as suspeitas aumentavam, também aumentava o desejo de confrontá-los.
Entretanto, não era apenas o ambiente físico que estava mudando. O próprio céu parecia estar se distorcendo. As noites, que antes traziam uma calma relativa, agora pareciam infinitamente longas e sufocantes. O brilho no horizonte, que outrora era apenas uma curiosidade inquietante, tornava-se mais poderoso a cada entardecer. Ele pulsava, vibrando com uma energia silenciosa, mas onipresente, e em seu centro, parecia haver algo vivo, algo que observava.
Em meio a isso, a cidade começou a testemunhar o desaparecimento de seus primeiros moradores.
O primeiro a desaparecer foi um homem velho, um fazendeiro solitário que vivia nas bordas de Holmhill. Ele não era exatamente popular, e a princípio, seu sumiço foi atribuído a um possível acidente no campo. Mas então, dias depois, a jovem Emma também desapareceu, e isso ninguém pôde ignorar. Sua mãe, em desespero, percorreu cada rua e campo ao redor da cidade, gritando seu nome até a voz se perder. Contudo, Emma jamais foi vista novamente.
Os forasteiros, em vez de demonstrar qualquer empatia ou preocupação com os desaparecimentos, pareciam ainda mais determinados em suas pesquisas. “Estamos perto de descobrir o que está acontecendo,” insistia Harland, sua voz carregando uma estranha combinação de entusiasmo e apreensão. Mas suas palavras não encontravam consolo entre os habitantes de Holmhill, que agora viam a luz no céu e as ações dos pesquisadores como duas faces de um mesmo mal.
Parte 3: Paranoia
A sensação de normalidade em Holmhill havia desaparecido por completo. O que antes era uma cidade pacata, com uma rotina estável e familiar, tornara-se um caldeirão de medo e suspeita. As portas que costumavam ficar abertas durante o dia agora permaneciam trancadas mesmo com a luz do sol, e as janelas das casas estavam cobertas com cortinas espessas, como se os moradores temessem o que poderiam ver se ousassem olhar para fora.
As discussões nas ruas, que começavam como cochichos discretos, logo se tornaram brigas acaloradas. O Sr. Caldwell, outrora visto como uma figura de respeito, foi o primeiro a expressar em voz alta o que todos já estavam pensando. Ele marchou até o centro da cidade, com as mãos trêmulas de raiva, e exigiu respostas dos forasteiros.
“Vocês trouxeram isso para cá!” ele gritou, apontando um dedo ossudo para o Dr. Harland, que se mantinha impassível em meio aos instrumentos e máquinas que continuava ajustando. “Desde que chegaram, tudo está errado! Nossas colheitas, nossos animais, nossa própria gente! Não tínhamos problemas antes de vocês aparecerem!”
Harland, sem demonstrar emoção, levantou-se lentamente e ajustou os óculos, o brilho da estranha luz refletindo nas lentes. “Sr. Caldwell,” começou ele, em tom calmo, mas que não fazia nada para acalmar os ânimos. “Eu entendo que estão com medo, mas acredite, não viemos aqui para causar dano. Viemos para investigar o fenômeno e estamos perto de descobrir a origem disso.”
Mas as palavras de Harland pareciam vazias e mecânicas. Caldwell, junto com um pequeno grupo de fazendeiros que o acompanhava, não estava interessado em explicações científicas. Havia um horror visceral nos olhos do velho fazendeiro, algo que nenhum dado ou gráfico poderia acalmar.
“Descobrir? E o que mais vocês precisam descobrir? Duas pessoas desapareceram! Você viu a luz no céu? Ela está mais forte. Está crescendo!” Caldwell, com o rosto ruborizado pela fúria, avançou um passo, e os forasteiros recuaram ligeiramente, como se não quisessem ser tocados pelos moradores. “Vocês trouxeram isso com vocês, e nós vamos resolver isso do nosso jeito.”
O pequeno tumulto começou a se formar quando outros moradores se uniram ao protesto. Harland e sua equipe de pesquisadores rapidamente perceberam que a situação estava saindo de controle. A multidão ao redor deles crescia, vozes se erguiam e as acusações fluíam como um rio impetuoso. O brilho no céu, que nunca deixava de pulsar, parecia refletir a crescente fúria e desespero dos habitantes de Holmhill. Olhares eram lançados aos pesquisadores como se fossem os responsáveis por cada coisa terrível que estava acontecendo.
Entretanto, por mais que a população da cidade estivesse à beira de um motim, a verdade era que ninguém sabia o que realmente estava acontecendo. E o desconhecido, mais do que qualquer coisa, é o que alimenta o medo. Ao cair da noite, os rumores de que os forasteiros estavam envolvidos com “algo maior” apenas intensificaram as tensões. Histórias improváveis começaram a circular: alguns acreditavam que Harland e sua equipe haviam vindo para despertar algo antigo, uma força que há muito dormia sob a terra. Outros, mais céticos, diziam que eram espiões ou agentes de governos que estavam conduzindo um experimento secreto, e que o povo de Holmhill era apenas parte de uma grande experiência.
As discussões aumentaram ainda mais quando Caldwell, na calada da noite, desapareceu misteriosamente. Seu sumiço foi o ponto de ruptura. Agora, já não havia dúvida na mente dos habitantes: os forasteiros eram os culpados. Não importava quantas vezes Harland insistisse em sua inocência ou tentasse explicar que eles estavam tentando resolver o problema; a cidade já havia feito seu julgamento.
Os pesquisadores, sentindo o perigo iminente, começaram a tomar precauções. Eles reforçaram seus acampamentos, afastando-se ainda mais da cidade, montando suas máquinas e equipamentos em áreas mais isoladas, sempre sob o manto da luz crescente que banhava o horizonte. Mas mesmo à distância, os olhares dos habitantes os perseguiam.
Ninguém ousava admitir, mas a própria cidade parecia mudar à medida que a paranoia se infiltrava nas mentes de todos. As ruas, que sempre foram preenchidas com o som de risadas e conversas amistosas, agora estavam repletas de sussurros. Cada morador olhava desconfiado para o outro, como se esperassem que o próximo a desaparecer pudesse ser qualquer um. Os antigos laços de amizade e vizinhança se romperam, corroídos pela atmosfera de terror latente.
No entanto, o medo maior não era apenas o que os forasteiros poderiam ter trazido, mas sim o que aquele brilho distante representava. A luz, sempre pulsante e vibrante, parecia estar crescendo em intensidade. Agora, não era incomum acordar no meio da noite e ver as janelas banhadas por uma luminescência estranha, como se o próprio céu estivesse sendo invadido por uma força incompreensível. Alguns até juravam que ouviam vozes vindas daquela direção, sussurros indistintos que preenchiam o silêncio da madrugada.
Os desaparecimentos se tornaram mais frequentes. A jovem Clara, uma garota de doze anos, foi a próxima. Sua mãe encontrou apenas o vestido da menina perto dos campos, envolto por uma fina camada de névoa, como se tivesse sido deixado para trás em sua fuga de algo invisível. Mas não houve sinais de luta, nem pegadas. Apenas a inexplicável ausência.
A essa altura, o desespero já havia tomado conta de Holmhill. As mentes frágeis dos moradores começaram a ceder, incapazes de processar o que estava acontecendo. Alguns começaram a se isolar por completo, trancando-se em suas casas, esperando que o pesadelo acabasse. Outros, mais desesperados, começaram a implorar para que os forasteiros partissem de vez.
Mas a luz continuava a crescer. E com ela, uma certeza inescapável: algo estava vindo. Algo que ninguém, nem mesmo os forasteiros, poderia parar.
Parte 4: Revelação
Na noite fatídica em que Holmhill seria devorada por completo pelo mistério que a cercava, o céu deixou de ser apenas um pano de fundo passivo e tornou-se o próprio palco do inexplicável. A luz, que durante semanas havia crescido silenciosamente no horizonte, explodiu em uma aurora de cores inimagináveis, uma ferida brilhante que se alastrava como uma infecção cósmica. Era um espetáculo que desafiava a razão, onde cores que não deveriam existir dançavam e pulsavam em padrões hipnóticos e angustiantes. A própria matéria parecia distorcida pela luminosidade, como se a cidade estivesse sendo sugada para dentro de outra realidade.
Dr. Harland, até então um homem de ciência implacável, olhava agora para o fenômeno com uma expressão de puro horror. As equações, as leituras, os gráficos… nada daquilo podia explicar o que se desenrolava diante dele. Tudo o que ele havia estudado ao longo de sua vida desmoronava sob a revelação de que as leis do universo que ele pensava conhecer não passavam de meras ilusões. Agora, ele sentia um pavor visceral, uma certeza de que sua busca pelo conhecimento o havia levado longe demais.
Os outros pesquisadores corriam desordenados, gritando ordens que eram sufocadas pelo zumbido crescente que vinha do céu. Era um som que parecia penetrar na mente de cada um, distorcendo os pensamentos e criando imagens que não eram reais, mas que ao mesmo tempo pareciam mais tangíveis do que qualquer coisa que eles já haviam conhecido.
Enquanto isso, os habitantes de Holmhill estavam em um estado de histeria total. Alguns se trancaram em suas casas, rezando para que o que quer que estivesse acontecendo simplesmente passasse, como um pesadelo que se dissipa com o amanhecer. Outros haviam abandonado toda racionalidade, correndo pelas ruas em desespero, balbuciando palavras desconexas sobre o fim dos tempos. Ninguém mais confiava em ninguém, e os laços de comunidade que um dia haviam sustentado Holmhill estavam completamente destruídos.
No entanto, havia algo mais acontecendo, algo que os olhos humanos não podiam ver, mas que todos, de alguma forma, podiam sentir. O brilho não era apenas luz; era um invasor. Ele estava penetrando o tecido da realidade, alterando a matéria e, de maneira ainda mais terrível, as mentes. O ar ao redor havia se tornado pesado, quase sólido, e cada respiração parecia carregar consigo partículas de loucura. A sensação era de que o próprio universo estava sendo reescrito, e Holmhill, uma cidade insignificante e esquecida, era o epicentro dessa transformação cósmica.
Dr. Harland, guiado por um último lampejo de racionalidade, correu para seus instrumentos, tentando desesperadamente recalibrar suas máquinas, buscando alguma forma de entender — ou ao menos medir — o que estava acontecendo. Mas os números, as leituras, os sinais… todos haviam deixado de fazer sentido. Os aparelhos giravam fora de controle, as agulhas dos medidores oscilando entre extremos impossíveis. Havia algo maior, algo que não poderia ser confinado a uma equação ou teoria.
“Não é desse mundo…” ele sussurrou para si mesmo, sem perceber que suas palavras escaparam em um fio de voz.
E, então, veio a primeira onda.
A luz que havia permanecido no céu por semanas finalmente tocou a terra. Um feixe de brilho iridescente desceu como um raio de cores dissonantes, atingindo o solo com uma força invisível, mas devastadora. O impacto não quebrou a terra, não destruiu os edifícios… não de forma física. Mas algo invisível ondulou pela cidade, uma distorção na própria essência do que era real.
As pessoas que estavam nas ruas congelaram onde estavam. Seus rostos, antes contorcidos pelo medo, suavizaram-se em expressões de vazio. Eles olhavam para o brilho, agora mais próximo, como mariposas atraídas por uma chama inescapável. Então, lentamente, como se sob o controle de algo além de suas vontades, começaram a caminhar em direção à luz.
Harland tentou gritar para que parassem, mas sua voz morreu em sua garganta. Ele próprio sentia o chamado irresistível, uma força antiga e incompreensível que se infiltrava em cada célula do seu corpo. Era como se o brilho estivesse falando diretamente com ele, não em palavras, mas em impulsos que ressoavam na profundidade de sua mente.
Mais e mais pessoas seguiam o brilho, seus corpos movendo-se em um transe suave, como se fossem puxados por cordas invisíveis. Ao redor deles, o espaço parecia dobrar-se e distorcer-se, como se Holmhill estivesse sendo tragada para uma dimensão além da compreensão humana.
E então, eles começaram a desaparecer.
Cada pessoa que entrava na luz, que tocava aquele brilho inexplicável, evaporava em um instante, transformada em fragmentos de cor que se misturavam com o brilho que crescia. Não havia gritos, não havia resistência. Apenas a dissolução silenciosa da humanidade, tragada por algo muito maior, muito mais antigo do que o próprio tempo.
Harland, resistindo com todas as suas forças, olhou para o céu uma última vez. E foi então que ele entendeu. Aquilo não era um ser, uma entidade. Não havia propósito, não havia malícia ou bondade. Era simplesmente… o universo, em sua forma mais crua e indiferente. Uma força que transcendia qualquer conceito humano de ordem ou razão. Um vazio cheio de possibilidades que a mente humana não podia sequer começar a conceber.
Ele tentou lutar, tentou resistir ao impulso de se entregar àquela luz, mas sabia que era inútil. Um a um, seus assistentes desapareceram, assim como os habitantes restantes de Holmhill. Ele era o último. E agora, finalmente, ele podia sentir a verdadeira natureza do universo se revelando para ele — mas não como uma resposta, e sim como uma anulação de todas as suas perguntas.
Ele deu o último passo em direção ao brilho.
Epílogo: O Silêncio que Ficou
O vento soprava suave sobre os campos ao redor de Holmhill, mas não havia mais quem pudesse senti-lo. O sol nascera, como em qualquer outro dia, iluminando as colinas que cercavam a cidade. No entanto, Holmhill agora era apenas uma sombra daquilo que fora. As casas, que antes abrigavam famílias, estavam vazias, como se a vida tivesse sido sugada delas sem deixar qualquer vestígio. Nenhum som de pássaros, nenhum murmúrio do trabalho rural; apenas o silêncio, vasto e impenetrável.
As ruas estavam desertas. Carros parados, portas entreabertas, roupas secando ao vento — todas as marcas da presença humana ainda estavam lá, mas não havia mais humanos. A única coisa que permanecia era uma estranha sensação de que o ar ao redor havia se tornado mais denso, mais pesado, como se a própria cidade estivesse envolta por algo invisível, mas inescapável. Um leve brilho, quase imperceptível, podia ser visto no horizonte, onde a luz que havia surgido antes se tornara uma cicatriz distante no céu.
Um caminhante solitário, um homem que havia chegado pela estrada principal, parou à beira da cidade. Seu nome era Ethan Ward, um geólogo que havia passado semanas viajando entre cidades pequenas, coletando amostras de solo para um estudo acadêmico. Ele não sabia o que esperar de Holmhill, uma cidade que não conhecia, mas o que encontrou foi algo que não conseguia explicar.
Ward olhou em volta, seus olhos varrendo as ruas vazias e as casas silenciosas. Havia algo profundamente errado. A sensação era sufocante, como se ele estivesse sendo observado por olhos que não podia ver. Mas, ao mesmo tempo, parecia que a cidade inteira estava… morta. Não no sentido literal, mas como se algo tivesse sugado a vitalidade de tudo que ali existia.
Ele caminhou pelas ruas desertas, notando os pequenos detalhes que sugeriam que algo terrível havia acontecido. Havia mesas postas para o jantar, ferramentas largadas no meio do trabalho, brinquedos deixados no quintal de uma casa… Tudo parecia ter sido interrompido abruptamente. Mas não havia corpos, nem sinais de luta. Apenas a ausência — uma ausência esmagadora.
E então, ele viu. No centro da praça da cidade, um único ponto de luz ainda pulsava fracamente no ar, como um coração moribundo de um fenômeno que estava além da sua compreensão. Era pequeno, quase insignificante à distância, mas tinha uma presença estranha, uma vibração que ele podia sentir no fundo de sua mente.
Ethan aproximou-se, sua curiosidade científica lutando contra o crescente medo em seu peito. O brilho parecia estar à deriva, flutuando a poucos centímetros do solo, como se estivesse esperando. Enquanto caminhava em sua direção, um arrepio correu por sua espinha, e ele teve a sensação inquietante de que a cidade não estava completamente deserta. Algo — ou talvez alguém — ainda estava lá. Assistindo.
Ao se aproximar da luz, a vibração tornou-se mais intensa, como um zumbido de uma frequência inaudível, mas palpável. Quando ficou a poucos metros dela, Ward parou, hesitante. A luz parecia pulsar em resposta à sua presença, uma batida lenta e hipnótica que quase o puxava para mais perto.
E foi então que ele ouviu.
Um sussurro. Baixo, indistinto, mas inegável. Ele virou a cabeça rapidamente, procurando a origem do som, mas não havia nada além das casas vazias ao seu redor. O sussurro continuou, mais alto agora, mas ainda sem palavras definidas. Parecia um eco distante, algo vindo não de uma direção específica, mas de… dentro dele.
Ward deu um passo para trás, seus instintos finalmente assumindo o controle. Ele sentia que algo na luz queria que ele ficasse, que ele se aproximasse. Mas, por mais que a curiosidade o consumisse, havia uma sensação inegável de perigo. De que, se desse mais um passo, ele jamais retornaria. O que quer que fosse aquela luz, não era natural. Não era parte deste mundo.
Ele recuou, ofegante, lutando contra o impulso de se aproximar. O brilho diminuiu, como se reconhecesse sua hesitação. O sussurro cessou, e o silêncio voltou a preencher a cidade.
Com as mãos tremendo, Ethan se afastou da praça, seus olhos ainda fixos na luz enquanto se distanciava. Ao chegar à beira da cidade, ele parou mais uma vez, observando Holmhill de longe. A cidade parecia, de certa forma, normal — mas ele sabia que aquilo que testemunhara era tudo, menos isso.
Ward sentiu que havia tocado algo além da compreensão humana, algo que não estava ligado às explicações científicas que ele conhecia. Ele não sabia o que era, mas uma coisa era certa: Holmhill havia sido consumida por algo muito maior, algo que não pertencia ao mundo dos homens.
Ele virou-se e partiu pela estrada de onde havia vindo, seus passos rápidos e ansiosos. Mas enquanto se afastava, um pensamento persistia, incômodo e impossível de ignorar: aquilo ainda estava lá. E de alguma forma, ele sabia que o que quer que tivesse acontecido em Holmhill, não terminaria ali.
E, no horizonte, a luz continuava a pulsar.
A sensação de mal-estar o acompanhou por toda a viagem de volta. O zumbido suave da luz parecia ecoar em sua mente, uma lembrança persistente do que havia testemunhado. Ele tentou afastar a sensação, tentando racionalizar o que havia visto, mas a verdade era inescapável. Algo naquelas luzes tinha se infiltrado em sua mente, deixado uma marca invisível, uma impressão que não podia ser apagada.
E então, na última curva da estrada, antes de Holmhill desaparecer de vista, Ethan teve uma última visão.
No topo de uma das colinas, perto da cidade, uma figura estava parada. Alta e imóvel, observava a estrada, as mãos ao lado do corpo, como se estivesse esperando por algo. Ou alguém.
E, quando ele piscou, a figura já não estava mais lá.
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Costuma jogar com as classes Paladino, Monge e Feiticeiro de D&D, Dragonborn, Aasimar, Elfo e Meio-Elfo são as Raças favoritas.
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