Quando se fala em Kalymba RPG, a cabeça logo vai praquelas narrativas que respiram afro fantasia (Afro Fantasy): orixás, griôs, Aiyê vibrando de misticismo, e o Orum pairando lá no além. É um universo intenso, povoado por criaturas míticas, espíritos ancestrais e magia cotidiana — tudo isso enquanto os povos de Aiyê tentam se reerguer após as devastadoras Hecatombes, cataclismos que quase destruíram o progresso e espalharam o caos por todo o mundo.
Já Savage Worlds (SWADE), com seu mote “Rápido! Divertido! Furioso!”, entrega um sistema ágil, cinemático perfeito para a ação épica com ritmo acelerado.
Aqui, porém, não vamos revisitar o cenário de Kalymba bonito e potente por si só, mas mergulhar nas mecânicas, naqueles ingredientes de criação de personagens, monstros, atributos, habilidades, mirongas e mandingas que fazem Kalymba vibrar, para adaptá-los ao fluxo ágil de Savage Worlds.
O Que Faz Kalymba Pulsar?
Criado em 6 anos por Daniel Pirraça e sua equipe.
Aiyê é o palco: um continente vasto, regido por orixás, cheio de beleza, diversidade e perigos. Tribos, reinos e ruínas imperiais disputam espaço. A magia, extraída do axé, é cotidiana e poderosa.
Sem classes: personagens (chamados de Protagonistas) são criados por distribuição de pontos entre Atributos, Perícias e Habilidades Especiais, além da escolha de raças fantásticas.
As mandingas apostas mágicas cheias de axé se dividem em seis caminhos. Elas vão de simpatias inocentes (como ver através de paredes ou curar caganeira) a manifestações poderosas (ressuscitar mortos, metamorfoses bestiais).
Protagonistas evoluem por níveis: Moleque, Valente, Veterano, Herói, Lenda (cada um subdividido em 4 graus).
O XP não vem só de combate qualquer tipo de jornada conta.
Daniel Pirraça: O Autor e Sua Jornada
Daniel é um jovem negro, nascido e criado em São João de Meriti, Baixada Fluminense. Portador da síndrome de Asperger, ele foi construindo Kalymba desde 2013, enquanto buscava um lugar de representatividade no RPG nacional.
Em entrevista, Daniel revelou como a ausência de representatividade no meio afetou sua autoimagem e como Kalymba é uma resposta poderosa e de empoderamento a isso.
Também falou sobre as inspirações: o sistema +2d6 de Tio Nitro (Newton Rocha) foi a base, mas Daniel moldou tudo para caber melhor no universo afrocultural que sonhava.
Ele falou ainda sobre os planos futuros: suplementos, aventuras, até um possível romance ambientado em Aiyê em algumas entrevistas e vídeos, então vamos aguardar.
Kalymba e Savage Worlds:
Quando Mirongas Enfrentam o Caos
A Conversão das Mecânicas
Kalymba RPG traz um universo pulsante de afro fantasia (Afro-Fantasy) como orixás, mandingas, griôs, reinos em disputa e Hecatombes que espalharam ruínas por Aiyê. Mas hoje a gente desvia o olhar do cenário e sobe o zoom nas mecânicas que alimentam esse mundo, para adaptá-las ao sistema rápido e cinematográfico de Savage Worlds (SWADE).
Em vez de classes fixas, Kalymba convida o jogador a montar seu personagem como quiser, distribuindo pontos entre atributos, perícias e habilidades especiais e escolhendo entre raças fantásticas. Evolução acontece de forma orgânica, com níveis que acompanham jornadas, amizades e desafios e XP que não vem só de briga. Mandingas mágicas, divididas em seis caminhos, trazem desde simpatias simples até transformações bestiais e ressurreições macabras.
Tudo isso foi idealizado por Daniel Pirraça, um jovem negro da Baixada Fluminense, que carrega orgulho e luta em cada mandinga. Daniel que desenvolve Kalymba desde 2013 sabia que havia um espaço gigantesco a ser ocupado na falta de RPGs que trazessem cultura africana com autenticidade e respeito. Usou o sistema +2d6 como chumbo, o gameplay como martelo, moldando um universo vivo e repleto de axé.
Aqui nesse blog, não vamos detalhar Aiyê (embora ele seja lindo demais para ignorar), mas vamos transportar os ingredientes mecânicos: personagens, monstros, mandingas, atributos, tudo, adaptado para caber como luva no sistema ágil de Savage Worlds. É uma ponte de culturas, de sistemas, de histórias e um ato de celebração daquilo que está sempre sendo reinventado.
Minha conexão com tudo isso
Eu, Charles Corrêa, para quem não sabe, sou praticante e iniciado desde criança na diáspora africana do Brasil conhecida como Batuque do RS. Sou filho de Oxum e Oxalá com muito orgulho, e confesso: sinto falta de um cenário de afrofantasia feito sob medida para Savage Worlds.
Quem sabe no futuro eu mesmo não invente algo? Aventuras baseadas nos Itãs dos Orixás do Batuque do RS poderiam ganhar vida em mesas, com regras simples, personagens cheios de axé e narrativas poderosas.
Se quiser conhecer mais sobre o Batuque do RS, te convido a visitar a Rede Batuque RS, junto de Babá Phil de Xangô Agandjú Ibeji e outras personalidades que mantêm nossa cultura viva:
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Conversão de Kalymba para Savage Worlds
Atributos
Kalymba trabalha com Corpo, Mente e Espírito (além de Ori, que é o elo com o axé). Savage Worlds já tem seus cinco pilares: Agilidade, Astúcia, Espírito, Força, Vigor.
O mapeamento pode ficar assim:
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Corpo → Força + Vigor
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Mente → Astúcia (Smarts)
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Espírito/Ori → Espírito (Spirit) — Ori pode ser tratado como elemento narrativo, ligado à espiritualidade e ao destino, inspirando Complicações ou Vantagens.
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Agilidade (Agility) entra como complemento, já que Kalymba diferencia menos reflexos físicos, mas é vital em SWADE.
Isso mantém a identidade sem quebrar o balanceamento.
Raças
Kalymba traz raças fantásticas: povos humanos diversos, criaturas metamórficas, descendentes de espíritos, etc. Savage Worlds traduz isso através das Vantagens Raciais (Racial Edges).
Exemplo de conversão:
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Ntoké (fortes e resistentes) → Vantagem de raça com +1 em Vigor, resistência a Fadiga.
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Ayan (afinidade espiritual) → +1 em Espírito, acesso facilitado ao Antecedente Arcano: Axé.
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Metamorfos (inspirados em mitos africanos) → Vantagem de raça com poder de Metamorfo limitado, podendo assumir uma forma predeterminada.
Cada raça deve ter de 2 a 3 benefícios e 1 limitação, mantendo o equilíbrio clássico de SWADE.
Perícias
Aqui o paralelo é direto. Kalymba já trabalha com perícias sociais, de combate e sobrenaturais, todas possíveis em SWADE.
Equivalências:
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Luta → Luta (Fighting)
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Atirar → Atirar (Shooting)
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Sobrevivência → Sobrevivência (Survival)
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Tradições/Religião → Ocultismo (Occult)
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Performance → Performance (Performance)
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Axé (nova) → Perícia nova, ligada ao Espírito, usada para manipular Mirongas.
Complicações e Vantagens
Kalymba carrega vínculos ancestrais, obrigações espirituais e choques culturais. Em SWADE isso vira:
Complicações (Hindrances):
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Tabu Espiritual → não pode quebrar um preceito de orixá sem penalidades.
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Destino Profetizado → sempre será arrastado para certas tramas.
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Preconceito Cultural → sofre desvantagem em interações sociais com povos xenofóbicos.
Vantagens (Edges):
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Filho de Orixá → recebe bônus narrativo/mecânico ligado ao orixá regente (ex: +1 em Intimidação se for de Xangô).
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Griô → acesso facilitado a conhecimentos e +1 em Persuasão ao narrar histórias.
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Caçador das Savanas → +2 em Sobrevivência e Rastrear (Tracking).
Habilidades
As Habilidades Especiais de Kalymba podem ser convertidas em Vantagens ou Poderes de SWADE.
Exemplo:
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Olhos de Caçador → Vantagem que concede bônus em Percepção (Notice) e Rastrear (Tracking).
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Força dos Ancestrais → Poder temporário no estilo Aumentar Atributo (Boost Trait).
Poderes / Mirongas
Aqui está o coração da conversão. As Mirongas de Kalymba — simpatias, feitiços e magias — podem ser tratadas como Poderes (Powers) em Savage Worlds.
Sugestão: criar um Antecedente Arcano: Iniciado no Axé.
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Perícia usada: Axé (Espírito).
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Pontos de Poder: representam o axé vital do personagem.
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Lista de Poderes: adaptada das Mirongas (usando poderes oficiais como base, mas com roupagem cultural).
Exemplos de adaptação:
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Curar (Oxum) → Poder Curar (Healing), exige água doce como componente.
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Trovão de Xangô → Poder Explosão (Blast), com efeito de raio e trovão.
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Olhos de Exu → Poder Detectar/Esconder Magia (Detect/Conceal Arcana), narrado como visão de encruzilhadas.
Monstros
Kalymba tem um bestiário único: espíritos, aberrações e bestas das savanas. Para converter:
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Atribuir dados de atributos (Força, Vigor, Espírito) conforme papel da criatura.
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Adaptar poderes mágicos para a lista de SWADE.
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Criar Habilidades Especiais (Special Abilities) para manter singularidade.
Exemplo:
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Mbwiri (espíritos doentes) → Espírito d10, Poder Terror (Fear), Habilidade Especial “Doença Espiritual” (teste de Vigor; falha causa Fadiga).
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Grande Besta da Savana → Força d12, ataque em área, Habilidade Resistente (Hardy).
Dificuldade: não inflar fichas com excessos.
Solução: destacar 2 a 3 características únicas que definem a criatura.
Encerrando
Savage Worlds dá o esqueleto; Kalymba traz o coração e o axé. A conversão é um casamento: equilíbrio mecânico + sabor cultural. E se mesmo com Livro Base e Compêndio de Fantasia não couber? Bah, aí a gente inventa! Perícia nova, poder novo, vantagem nova… afinal, a imaginação aqui deve ser selvagem como a caça na savana africana.
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Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas “Overmix” ou “Nandivh”, é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.
No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.
Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.
Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.
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