“Duna” é o impressionante exemplo de sucesso não importa a mídia que seja reproduzido. Seja no cinema, na TV, em livros, quadrinhos e agora também no RPG, a história conquista a todos. O filme dirigido por Denis Villeneuve reacendeu no público a curiosidade sobre a obra de Frank Hebert e uma legião de fãs deste universo se levantaram através do mundo fazendo surgir HQs adaptando a obra, uma série de TV que será lançada este ano na HBO Max sobre as Bene Gessarit e se passará antes do evento do filme e este RPG que irei resenhar para vocês.
A OBRA ORIGINAL
“Duna” foi publicado pela primeira vez em 1965, sendo o livro inaugural da série épica de Frank Hebert amplamente considerado uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos, vencedor do Prêmio Nebula e também do Hugo Award, sendo o livro do gênero mais vendido no mundo. A história se passa no futuro distante, em um vasto império galáctico onde uma nobreza feudal governa planetas individuais.
A história de “Duna” gira em torno de Paul Atreides, herdeiro da Casa Atreides, uma das casas nobres que controlam planetas no império. O pai de Paul, Duque Leto Atreides, é designado pelo Imperador Padishah Shaddam IV para governar o planeta Arrakis, também conhecido como Duna. Arrakis é o único planeta onde a especiaria melange, a substância mais valiosa do universo, pode ser encontrada. A especiaria prolonga a vida humana, expande a consciência e é essencial para a navegação interestelar.
A história se passa em um futuro distante, no meio de um império intergaláctico feudal em expansão, 10.191 para ser mais exato, época que a Terra não é mais habitada e outros planetas foram colonizados pela humanidade. Estes feudos planetários são controlados por Casas Nobres, que devem aliança à casta imperial da Casa Corrino, na qual pertence o Imperador. Nesse período os humanos adotam algumas práticas peculiares como, por exemplo, banimento dos computadores no Imperium, devido a um evento chamado Jihad Butleriano. Este conflito, que ocorreu milhares de anos antes dos eventos descritos nos livros, foi uma revolta contra máquinas inteligentes e a tecnologia avançada que ameaçava a humanidade. A Jihad Butleriana resultou na destruição e proibição de todos os tipos de computadores e inteligência artificial. Após a Jihad Butleriana, foi estabelecido um princípio filosófico e religioso que afirmava: “Não farás uma máquina à imagem da mente humana.” Esta crença foi adotada amplamente e se tornou um pilar fundamental da sociedade. O banimento das máquinas incentivou o desenvolvimento das capacidades humanas, como o treinamento mental e físico. Isso levou ao surgimento de grupos como os Mentats, seres humanos treinados para realizar cálculos e análises complexas que substituíam a função dos computadores.
Nesta era, os seres humanos já conquistaram o universo, e a sociedade é estruturada em torno de quatro pilares principais: Poder centralizado nas mãos do Imperador; Casas nobres que se alternam no controle de diferentes planetas, como os Harkonnen e os Atraides; A Guilda Espacial que detém o monopólio das viagens interestelares, controlando o comércio e a economia imperial; E a ordem secreta das Bene Gesserit, um grupo de mulheres com habilidades místicas e objetivos misteriosos, chamadas de “bruxas”.
A PROFECIA
Na obra “Duna”, existe uma profecia central que envolve Paul Atreides. Essa profecia é promovida pelas Bene Gesserit, que fala sobre o surgimento de um ser conhecido como o Kwisatz Haderach.
O Kwisatz Haderach é previsto como um homem que possuirá habilidades mentais e premonitórias excepcionais, que vão além das capacidades das Bene Gesserit. Ele será capaz de ver o futuro e ter acesso a todas as suas memórias ancestrais, tanto masculinas quanto femininas, algo que nenhuma Bene Gesserit conseguiu alcançar devido à sua limitação em acessar apenas as memórias femininas.
Paul é filho de Lady Jessica, uma membro das Bene Gesserit, e cuncumbina do Duque Atraides, que treinou Paul nas habilidades da ordem desde cedo. Jessica foi instruída a dar à luz uma filha, que se casaria estrategicamente com um descendente da Casa Harkonnen para produzir o Kwisatz Haderach. No entanto, ela escolheu ter um filho, Paul, acreditando que ele poderia ser o Kwisatz Haderach. Desde jovem, Paul começa a ter visões do futuro e sonhos premonitórios, sinais de que ele pode ser o cumprimento da profecia. Suas habilidades se manifestam plenamente quando ele consome a especiaria melange, amplificando suas capacidades premonitórias.
Mas pelo lado dos Fremen eles também possuem uma profecia. A profecia dos Fremen está profundamente enraizada em suas crenças e cultura, e fala sobre a chegada de um messias que trará liberdade e prosperidade para o povo de Arrakis. Esta figura messiânica é chamada de Lisan al-Gaib, que significa “a Voz do Outro Mundo” ou “Profeta”, e Mahdi, que é “O Redentor”. A profecia prevê que o Lisan al-Gaib/Mahdi liderará os Fremen na luta contra os opressores e trará liberdade ao povo de Arrakis. Esta figura messiânica é esperada para quebrar o domínio das Casas nobres e do Imperador sobre o planeta. Parte da profecia envolve a transformação de Arrakis, um planeta desértico, em um mundo verdejante e fértil. Esta mudança é algo que os Fremen desejam há muito tempo e acreditam que seu messias tornará possível.
Paul Atreides, ao chegar a Arrakis e ser acolhido pelos Fremen, é identificado como o cumprimento dessas profecias. Existem várias razões para isso: Paul adota o nome de Muad’Dib, um nome reverenciado entre os Fremen, aumentando sua conexão com a profecia; Paul demonstra habilidades premonitórias extraordinárias, que são vistas como sinais de que ele é o Lisan al-Gaib; Paul usa suas habilidades e conhecimentos estratégicos para liderar os Fremen em batalhas contra os Harkonnen e as forças do Imperador, cumprindo a parte da profecia que fala sobre libertação e liderança.
O interessante na obra de Hebert é que no distante ano de 1965 ele já previa o uso de computadores e IA amplamente no mundo, e sua alegoria ao discutir a situação de Duna como degradação ambiental para extrair uma riqueza de um planeta que tem características muito próximas das sociedades do oriente médio, onde podemos associar o Imperium como os EUA, os Fremen como os povos árabes, o melange como petróleo e a Guida Espacial como o capitalismo como um todo. Talvez por isso “Duna” seja tão atemporal.
O RPG
“Dune: Adventures in the Imperium” é um RPG de mesa publicado pela Modiphius Entertainment em 2021. O jogo permite explorar o mundo de Duna, cheio de intrigas políticas, guerras e disputas pelo controle da especiaria. Os jogadores assumem o papel de personagens que podem ser nobres, mentats, soldados, ou até mesmo membros da Bene Gesserit. O livro tem 330 páginas, todo colorido e ricamente ilustrado, capa dura.
As primeiras 84 páginas do livro são para ambientação e familização com o universo ficcional do livro original, sendo essencial tanto para quem não conhece “Duna” quanto para quem conhece, já que esclarece alguns pontos. Depois vem o capítulo para criação de sua Casa Nobre, começando pelo tipo da casa, que pode ser uma casa nobre que está nascendo, uma casa menor, uma maior ou uma das Grandes Casas do Imperium. Não é possível jogar com uma das casas existentes nos livros, já que são canônicas. Ao invés disso é dado a oportunidade dos jogadores juntos criarem uma casa nobre original e colocá-la no meio do conflito existente.
Em seguida é necessário estabelecer o Domínio dessa casa, ou seja, a área na qual ela se destaca. Pode ser política, industria, espionagem ou até mesmo assassinatos. Tudo isso determinado pelo tipo de casa escolhido no passo anterior. Há também a definição do papel desempenhado pelos personagens da casa, podendo ser escolhido o governante da casa, a concunbina ou esposa, conselheiro, chefe militar, entre outros. Por fim a escolha dos seus inimigos. Duna é um cenário de muitas intrigas e guerra, onde as casas desejam tomar algo que a outra possui, desde bens materiais a poder e prestígio, por isso definir um inimigo da casa e os motivos desssa rivalidade é tão importante. Gostei dessa parte porque há umas tabelas que funcionam rolando 1D20 para definição deste inimigo e o motivo da inimizade.
Aliás é bom explicar que Dune: Adventures in the Imperium utiliza o sistema 2d20, o mesmo sistema empregado em jogos como Fallout RPG e Star Trek RPG. No sistema 2d20, os jogadores rolam dois dados de 20 lados para obter sucessos em testes. O objetivo é obter um resultado inferior ao número alvo do teste, somando o valor do atributo e da perícia desejados, em pelo menos um dos dados. O excesso de sucessos gera Momentum, que pode ser usado para facilitar desafios futuros. No entanto, o uso frequente do Momentum também cria ameaças, adicionando reviravoltas desagradáveis à narrativa. Rolagens de 20 podem gerar complicações, enquanto rolagens de 1 podem resultar em sucessos críticos. O Mestre do Jogo (MJ) determina a dificuldade das ações, que varia de 0 a 5, dependendo da complexidade da tarefa. Há também algumas mecânicas de regras que permitem que o jogador role mais do que apenas 2D20, podendo chegar ao máximo 5D20.
Depois é hora de criar os personagens. Há duas maneiras de se criar personagens no jogo. A primeira é a Criação Planejada, onde são usadas várias etapas e escolhas para se criar o personagem. A segunda é a Criação em Jogo, que é parecida com a primeira mas tem menos decisões a tomar e as vezes é necessário o rolamento de 1D20. Vamos ficar com a primeira para exemplicar como se cria um personagem em Dune -Adventures in the Imperium.
O primeiro passo é escolher um Conceito para seu personagem, podendo escolher que ele seja um Fremen, um Mentat, um Agente da Guilda Espacial, etc. Em seguida vem a escolha do Arquétipo. Existem 20 tipos de arquétipos para serem escolhidos, divididos por áreas de atuação, como Arquétipos de Batalhas, Arquétipos Sociais, Discipulos, Adeptos e Acadêmicos.
Depois vem os Skills. Todos os persoangens de Duna tem 5 Skills: Battle (conflito físico e estratégia), Communicate (testes sociais), Discipline (vigor e força de vontade), Move (atleticismo e velocidade), e Understand (testes mentais e conhecimento). A Skill principal recebe um 6, a segunda um 5, e todas as demais 4. Em seguida o jogador tem direito a 5 pontos para distribuir entre as Skills, sendo que nenhuma pode ultrapassar 8. Depois vem a escolha de Focus, que são quatro. Duas escolhidos pelo seu Arquétipo e duas pelas Skills primária e secundária. Focus é uma característica escolhida de uma enorme lista dividida por cada categoria de Skills que demonstra uma especialidade naquela Skill. Cada personagem tem direito também a 3 Talents, que representam habilidades especiais, técnicas avançadas, que são escolhidas através do Arquétipo
Em seguida vem os Drives, que são as motivações que definem o modo de agir do personagem. Nos Drives devem ser distribuídos 8, 7, 6, 5, e 4 entre eles, sendo 8 no que ele acredita ser o mais importante para seu personagem e 4 o de menor importância. Os Drives são: Duty (a responsabilidade do personagem); Faith (moral religiosa); Justiça (o que considera certo); Power (busca por influência, controle e poder); e Truth (desejo por conhecimento). Para cada Drive com 6 ou mais pode ser escolhido um Statement, que nada mais são do que frases escolhidas também de uma lista, que exemplifica seu Drive.
Por último o jogador deve escolher 3 Assets para seu personagem. Assets são ferramentas e recursos disponíveis para o personagem baseados em seu arquétipo. Entre os recursos disponíves estão armas, veículos e até mesmo favores. Depois os toques finais onde deve ser escolhida uma Trait, que reflete a reputação do personagem, uma Ambition, que reflete as ações do personagem no jogo, e por último detalhes pessoais, como nome, características físicas, etc.
PERSONAGENS COADJUVANTES
Personagens Coadjuvantes são uma novidade introduzida por Duna. Eles são outro tipo de personagem criado e controlado pelos jogadores durante o jogo. São menos detalhados e criados em uma maneira menos envolvente do que os personagens principais dos jogadores, e não são propriedade permanente de um único jogador. Em vez disso, personagens coadjuvantes são criados como e quando as circunstâncias exigem dentro do jogo. Personagens coadjuvantes servem para representar as pessoas que servem o grupo em diversas capacidades menores, desde funcionários, espiões, soldados e muito mais. Eles permitem que os jogadores assumam diferentes papéis no jogo, permitindo-lhes usar um conjunto de habilidades que não existem entre os personagens principais, para desempenhar um papel mais ativo em uma aventura que não se concentra em seus personagens principais, ou para dar conta de jogadores que estão ausentes. Por fim eles permitem que os jogadores dividam seus personagens entre diferentes atividades em diferentes locais sem ficar fora do jogo por longos períodos.
AS AVENTURAS
Mas que tipo de histórias podem ser contadas em um cenário com um conflito já bem definido? Uma das coisas que o livro incentiva é criar outros conflitos dentro da imensão da galáxia, já que dentro de Arrakis a situação já está bem delimitada. As Casas Nobres podem estar disputando outro planeta, ou um artefato poderoso encontrado em algum planeta distante, ou mesmo a descoberta de uma nova profecia, seja pelas Bene Gessarit ou pelos Fremen. Planos de resgate, intrigas políticas, guerras intergaláticas podem ser usadas para criar uma aventura. O uso da Guilda Espacial também, com seus integrantes indo de planeta em planeta fazer negócios e se vendo envolvidos em alguma esquema sórdido criado por uma das Casas Nobres que pretende tomar o controle do comércio intergalático para si. Pode-se também criar aventuras em Arrakis antes da chegada dos Atreides ou mesmo depois. A Casa Nobre dos jogadores por ter um acordo com os Harkonnen, que querem acabar com a ameaça Fremen e por isso estabelecem uma aliança, ou então um acordo com os Atreides para ocupar Arrakis para explorar o melange e são pegos no meio da traição dos Harkonnen e seu Imperador.
Para ajudar nessa missão de criar uma história o livro trás uma tabela para criação de ganchos de aventuras rolando 1D20. Eu fiz um teste para ver o que dava e o gancho de aventura sugerido foi: Deveríamos resolver o desaparecimento do herdeiro de uma das casas nobres, que era mantido prisioneiro em um armazém da Guilda Espacial por Kaunos, o mercador. A partir desta simples ideia já dá pra imaginar várias situações de tramas, intrigas e cenas que poderiam ser criadas para esta aventura. O capítulo destinado ao narrador vem cheio de sugestões para criar aventuras, além de dicas de como ampliar o universo conhecido e criar outros conflitos através da galáxia, o que me parece ser muito interessante. É também possível baixar muitas aventuras prontas em PDF no site oficial do jogo no site da Modiphius pagando cerca de £4,00 (cerca de R$28,00) além de muito material extra com preços variáveis. Clique AQUI e será direcionado a página e poderá fazer download gratuito das fichas de personagens e das Casas Nobres.
O livro também trás as fichas prontas de todos os personagens importantes que aparecem no filme, como o Duque Leto, Lady Jessica, Gurney Halleck, O Barão Vladimir Hakonnen, Feyd-Hautha entre tantos outros, além de vários personagens de suporte, como soldados Sardaukar, espiões, vendedores de água, comerciantes da Guilda, habitantes de Arrakis, etc. O que não falta é personagem já pronto para usar em uma aventura que vai começar, facilitando muito o trabalho do narrador.
Apesar de no início o sistema de regras conter muito detalhes que podem confundir o narrador e os jogadores, aos poucos eles vão entendendo melhor conforme jogam, principalmente no ponto importante que são as batalhas. Além disso há um sistema de intrigas que me lembrou um pouco a usada em Guerra dos Tronos RPG, com a escolha do postura dos envolvidos e o que eles desejam naquela intriga.
No final Dune – Adventures in the Imperium é um livro altamente recomendado até mesmo para quem não viu ou não curtiu o Filme, ou não leu o livro. Terá em suas mãos um belo livro para criar aventuras espaciais em um universo cheio de possibilidades, intrigas, espionagem e muitas batalhas.
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