UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG)

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG)

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa
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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!

No dia 26 de junho de 2025, a Wizards of the Coast publicou a mais recente Unearthed Arcana do projeto One D&D, intitulada Subclasses Arcanas. O documento traz nove arquétipos: quatro Magos (Encantador, Invocador, Necromante e Transmutador), um Guerreiro (Disparador Arcano), um Bruxo (Lâmina Maldita), um Clérigo (Domínio Arcano), um Monge (Combatente Tatuado) e um Feiticeiro (Feitiçaria Ancestral). É, na prática, uma tentativa de consolidar a nova gramática da magia em D&D 2025 — e, ao mesmo tempo, uma confissão não-intencional de suas hesitações.

A proposta oficial é clara: revisar arquétipos icônicos e introduzir novos paradigmas para a 5e revisada – a 2024. Mas o resultado, como veremos no dossiê a seguir (aqui é pra quem gosta de ler), revela algo mais profundo. As magias voltaram. As escolas também. Mas onde estão os ecos? Onde estão as vozes?

Tempo atrás, na análise do Unearthed Arcana: Subclasses de Horror (maio de 2025), já havíamos sentido um incômodo similar: faltava o Mago. E mais especificamente, o Necromante. Aquele que conversa com os mortos — e que, no playtest anterior, foi ele próprio silenciado. Agora ele retorna. Mas não como horror — e sim como função. Como cálculo. Como ficha de Excel.

Este dossiê, portanto, apresenta não apenas a tradução completa em português da Unearthed Arcana: Subclasses Arcanas, feita com base nas normas do glossário da SRD 5.2 traduzida, mas também uma análise crítica em várias partes, seguindo o estilo ácido e profundo que tento manter aqui Artifício RPG. Cada seção aborda uma subclasse ou grupo temático, com foco técnico, simbólico e narrativo — revelando não apenas o que funciona, mas o que falta.

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa
Capa oficial da versão traduzida da Unearthed Arcana: Subclasses Arcanas 2025, publicada gratuitamente pelo coletivo Artifício RPG.

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa Baixe agora a versão básica traduzida (texto e diagramção original)

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Capa da versão ilustrada e traduzida da Unearthed Arcana: Subclasses Arcanas 2025, com destaque para os rituais arcanos e as novas subclasses para D&D 2024.

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa Ou, se preferir, acesse a versão ilustrada, com formatação otimizada e visual completo:

Ambos os materiais foram publicados no modelo Pague o Quanto Quiser, de acordo com a Fan Content Policy da Wizards of the Coast, e fazem parte do nosso esforço contínuo de garantir acesso, clareza e contexto a todos os jogadores e criadores de conteúdo da comunidade brasileira de D&D.

Mais que avaliar se cada subclasse é forte ou fraca, a proposta aqui é perguntar: o que essa Unearthed Arcana nos diz sobre o rumo do D&D? O que foi esquecido, refeito, amputado? O que ainda pode ser salvo?

E sobretudo: que vozes ainda faltam neste novo cânone arcano?

O Resumo em Áudio

A Lâmina Rachada: O Bruxo Entre Maldição e Ressentimento

O pacto não é mais selado com sangue. Ele é editado em PDF.

Era uma vez uma espada. Ela falava, às vezes. Sussurrava em sonhos, alardeava glória marcial, fazia-se presente como sombra afiada à cintura de um conjurador. E então, com o tempo, deixou de falar. E quem escuta o silêncio, senão os ressentidos?

A história da Lâmina Maldita — a famigerada Hexblade que foi traduzida pela Galápagos como o polêmico termo Lâminabreu em sua primeira versão — é a de uma promessa não cumprida. Um arquétipo que nasceu potente demais, transformado em muleta para builds otimizadas, e que agora, no Unearthed Arcana: Subclasses Arcanas (2025), tenta renascer sob outra máscara. Mas o corte da lâmina não é o mesmo. E o pacto, para muitos, parece quebrado.

A sombra do que já foi: revisitar o passado

Em Guia de Xanathar para todas as Coisas o Lâmina Maldita surgiu como uma revolução silenciosa: pela primeira vez, o Bruxo deixava o papel de evocador distante para encarnar o guerreiro amaldiçoado — usando Carisma como atributo ofensivo, brandindo espadas com ataques marciais potentes e um sistema de maldição que curava, enfraquecia e aterrorizava.

A mecânica era simples, direta, irresistível: armadura Média, Escudo, arma Marcial, dano adicional, Acerto Crítico ampliado, cura ao matar, tudo isso no nível 1. Ela era, na linguagem da otimização, uma subclasse “impactante”. O resultado? Infinitas construções multiclasse de “paladinos de um nível só”, “bruxos semi-guerreiros”, “bloqueios de lâminas” em meio turno. Era eficaz. E, para muitos, desequilibrado.

Mas era também simbólica. O texto original ligava o Lâmina Maldita à Sombra, à Rainha Corvo, às espadas sencientes como Lâminegra — a famigerada Blackrazor que foi traduzida pela Galápagos como o polêmico termo Rasganegra em sua primeira versão. O pacto com a arma não era só uma mecânica: era uma narrativa. Um personagem que se transformava porque escutava a lâmina.

Essa história foi abandonada.

2024: o esvaziamento

Com as reformas da One D&D, a proposta da Wizards foi reformular o Bruxo como base, movendo o “guerreiro-conjurador” para dentro do Pacto da Lâmina. O resultado foi um desmonte: o uso de Carisma para ataques virou característica da classe, não da subclasse; a proficiência com armas e armaduras se espalhou; a maldição foi relegada a uma sombra mecânica. E o Lâmina Maldita, nesse vácuo, deixou de ter função clara.

Era uma subclasse sem diferencial. Um rascunho do que já foi. Jogadores a descreveram como “horrível”, “redundante”, “esquecível”.

Mesmo as versões apresentadas na UA: Subclasses de Horror não reconectaram o pacto com sua origem. A espada, que antes sussurrava, agora murmurava em burocratês.

2025: uma reconstrução apressada

Na versão publicada em junho de 2025 no UA: Subclasses Arcanas, há uma tentativa palpável de reconstruir o Lâmina Maldita com coerência interna — mas o projeto parece montado com peças de design reaproveitadas. A identidade voltou-se para a maldição como núcleo, não mais para a arma viva. O termo Hex – Maldição  — a famigerada magia que foi traduzida pela Galápagos como o polêmico termo Danação em sua primeira versão, criando situações como Fome Danada —, antes evocativo, agora é um marcador técnico. Um recurso, um gatilho, um efeito.

No nível 3, a subclasse oferece a habilidade Maldição do Lâmina Maldita, separada da magia Maldição, mas com sinergia com ela. Pode ser usada como Ação Bônus ou como parte da conjuração de uma magia amaldiçoante. Mas não causa dano. Não impõe penalidades diretas. Apenas ativa efeitos… se o jogador souber como.

O nova Escudo Amaldiçoado é uma proposta falha: +2 de CA apenas se o Bruxo não estiver usando armadura nem escudo — justamente os meios de sobrevivência esperados de um combatente corpo a corpo. A subclasse tenta premiar uma vulnerabilidade artificial, tornando o bruxo um flanqueador canhão de vidro.

A habilidade Vontade Inabalável, porém, é um respiro. Um benefício real à Concentração: dano em área ao manter o foco e a possibilidade de forçar sucesso em salvaguarda uma vez por Descanso Longo, recebendo PVs Temporários. Aqui, ao menos, há coesão de função e forma. É o Bruxo que segura a magia com a alma.

Mas a maioria das outras características parece inacabada ou reciclada. Brutalidade Maligna oferece mobilidade e ataques bônus — boas ideias — mas executadas de modo inferior às versões anteriores. A Maldição Inescapável, por exemplo, permite apenas andar até o inimigo, quando antes o bruxo podia se teleportar como sombra cortante. A Armadura de Sombras perdeu a imprevisibilidade de negar ataques com um d6 (como fazia em Armadura de Sombras) e virou um redutor de dano fixo — funcional, mas sem graça.

No nível 14, o Arquimaldito retoma o Acerto Crítico com 19-20 e permite um efeito explosivo que causa dano em área com uma aura visualmente interessante. Mas exige gasto de recurso precioso: um espaço de magia de Pacto. O custo parece elevado demais para o impacto. O Lâmina Maldita de 2017 curava ao matar. Este explode e torce para valer a pena.

Um design sem alma?

A sensação geral é de fragmentação. A subclasse não é fraca, exatamente — há sinergias interessantes. Mas tampouco é potente como prometia. E, acima de tudo, não é inspiradora.

Nos fóruns como o r/onednd, as críticas convergem: “sem identidade”, “meia boca”, “parece escrita por gente que nunca jogou de Bruxo”. Os vídeos oficiais da WotC, como este, mostram uma equipe desconfortável, tentando exaltar novidades que soam banais. A ausência de Jeremy Crawford pesa. Os ingredientes secretos da 5e se perdeu na mudança dos cozinheiros.

O erro de nome entre Quick Teleportation e Quick Transposition nas notas de design do Invocador — abaixo, que percebi na hora de traduzir — é um símbolo pequeno, mas eloquente: a falta de coesão editorial virou sintoma de algo mais profundo.

O que resta do Lâmina

O esforço de tradução brasileira, ao resgatar termos como Lâmina Maldita e Maldição (em vez de “Lâmina-breu” e “Danação”), já debatido no tópico Quando a Maldição se Torna Linguagem e Pacto Vira Estética deste artigo, ajuda a reconstruir o campo simbólico da subclasse. “Fome Maldita” soa como algo que um patrono arcano sussurraria. “Fome Danada”, não.

Mas tradução não salva design fraturado.

No fim, esta Lâmina não brilha. Ela corta pouco. Faz ruído. Tenta ser tudo: suporte de concentração, combatente mágico, necromante leve, amaldiçoador em área. E acaba sendo um pouco de nada.

O pacto está ali, ainda. Mas o eco da lâmina — a sombra que uma vez falava — agora apenas se projeta, silenciosa, na planilha de builds ineficazes.

Um Círculo em Cicatrizes: O Monge e o Corpo como Manuscrito

“Tatuagens não se fazem para o mundo ver. Fazem-se para que o mundo saiba que você não pertence mais a ele.”

Houve um tempo em que as palavras eram cortadas na carne. Uma promessa era marcada a fogo. Uma lembrança, entalhada no ombro. A dor se convertia em símbolo, e o símbolo em poder.

A nova subclasse Combatente Tatuado, apresentada nesta Unearthed Arcana tenta recuperar esse gesto — esse momento ritual em que o corpo se torna texto, e a pele, um livro de magias silencioso. Mas a pergunta que se impõe, desde os primeiros parágrafos do playtest, não é se ela tem potencial. É se ela tem voz.

Pele não é pergaminho

O conceito é sedutor: um Monge que grava magia no corpo, que carrega em marcas vivas a estrutura da sua arte. O texto diz que “tatuagens aparecem em seu corpo onde você desejar” e que podem parecer escamas, cicatrizes, marcas de nascença — qualquer coisa. A liberdade estética é elogiável. A ambiguidade simbólica, também.

Mas não há profundidade além da epiderme.

As Tatuagens Ferais (nível 3) evocam animais. Aranha, Morcego, Grou. Cada uma concede um truque menor e uma modificação leve a ações do Monge. A Tatuagem da Aranha, por exemplo, impõe Desvantagem no ataque da criatura que foi atingida com Torrente de Golpes. O Morcego garante Visão às Cegas temporária ao usar Defesa Paciente. O Cavalo — sim, o cavalo — oferece o truque Mensagem.

Mas onde está a linha que conecta esses símbolos ao arcabouço místico do D&D? Por que essas criaturas? Por que esse conjunto? Há um vazio cosmológico aqui: o Combatente Tatuado não tem ligação com nenhum plano, deus, arquétipo ou origem mitológica. É um compilado de ideias flutuantes.

Ao contrário da Lâmina Maldita, que invoca o Sombral e a Rainha de Rapina ou da Feitiçaria Ancestral, que traz fantasmas familiares como mentores mágicos, o Monge Tatuado não tem origem. Suas marcas não narram o passado. Elas apenas existem.

A ilusão da escolha

O grande apelo mecânico da subclasse está na progressão das tatuagens: Ferais (nível 3), Celestiais (nível 6), Natureza (nível 11), Monstruosas (nível 17). A cada degrau, o Monge adquire mais uma marca mágica e mais opções de efeitos, quase todos dependentes de Pontos de Foco.

Mas a variedade é, na prática, uma ilusão.

A tatuagem Cometa, por exemplo, permite conjurar Encontrar Armadilhas por 2 Pontos de Foco. Uma magia que já era criticada na 3.5e. Em fóruns como o r/onednd, jogadores chamam isso de “a pior magia do jogo” e descrevem essa escolha como “uma armadilha de design”.

Outras opções, como a Tatuagem da Naga Anciã (cura automática ao cair a 0 PVs) ou Pantera Deslocadora (Reflexos), tentam compensar o baixo impacto das anteriores, mas o desequilíbrio salta aos olhos. O resultado é uma subclasse em que as escolhas são entre o medíocre e o funcional, e não entre estilos de jogo distintos.

Há também a contradição entre o que se oferece e o que se exige: alta mobilidade, por exemplo, é uma das marcas do Monge — mas muitas tatuagens repetem essa função (como Passo Nebuloso, Piscar, ou Deslocamento de Voo limitado). Em tese, oferecem alternativas. Na prática, redundam.

A subclasse não sabe se quer ser o Caminho das Sombras do Xanathar com novos truques ou um Magus tribal de Pathfinder. O problema não é a ideia — é a falta de eixo.

Pagar para existir

Outro ponto crítico no design é o custo em Pontos de Foco.

Conjurar magias simples como Luz, Imagem Silenciosa ou Vitalidade Vazia já exige gasto. E habilidades mais impactantes, como Contramagia ou Reflexos, demandam até 3 pontos — o que representa 60% dos recursos de um Monge de nível 5. Em aventuras com poucos Descansos Curtos, essa economia implode.

Jogadores veteranos descreveram o Combatente Tatuado como “o antigo Caminho dos Quatro Elementos, só que pior” — uma referência à subclasse historicamente mal-avaliada da 5 e que também exigia muitos pontos para efeitos mágicos fracos. Em vídeos como o de análise da UA, Todd Kenreck resume: “Eu tenho tatuagens. Eu gosto de Monges. Mas essa subclasse é, honestamente, decepcionante”.

A crítica não é só de poder — é de coesão. Se um efeito exige pagamento, que ele seja desejável. Que traga impacto. Que justifique sua existência no espaço das decisões. Aqui, muitos parecem buffs automáticos com flavor colado.

Entre o Xamã e o Animador

Curiosamente, o sistema de categorizações da subclasse — com tatuagens Ferais, Celestiais, de Natureza e Monstruosas — parece flertar com um estilo xamânico, como os Totens do Bárbaro. Mas esse paralelo nunca se concretiza.

Não há rituais. Não há evocação de espíritos. Não há vínculo com planos específicos.

Seria possível pensar o Combatente Tatuado como um emissário simbólico, um animista que transforma marcas em manifestações. Mas essa leitura exige do jogador uma generosidade interpretativa que o texto da WotC não sustenta.

No lugar disso, temos um Monge com truques genéricos e magias costuradas à força.

Referências ricas, como os Monjes Tatuadores da 3.5e, ou as tatuagens mágicas do O Caldeirão de Todas as Coisas de Tasha, não são sequer mencionadas. As tatuagens não têm texto de fundo. São mecânicas sem mitologia.

O corpo vira ficha de jogador.

Rejeição como ritual

A comunidade respondeu com frieza. Entre “medíocre”, “sem identidade” e “executado de forma horrível”, o veredito geral é de decepção. A subclasse, embora visualmente interessante, é descrita como sem alma.

Nas análises mais duras, como no vídeo de Nerd Immersion, a subclasse é rejeitada por não saber se quer ser mágica ou marcial. “Você precisa pagar para ser um Guerreiro ruim ou um Mago incompleto”, resume um dos comentários mais votados no Reddit.

Essa frustração não é isolada. Ela ecoa o que foi discutido quando falamos do Lâmina Maldita: a perda de identidade criativa após a saída de nomes como Jeremy Crawford e Todd Kenreck. Os vídeos de divulgação dessa UA mostram rostos desconfortáveis. Sorrisos tensos. Um projeto que parece montado no piloto automático, sem paixão.

As tatuagens, que deveriam ser manifestações de um poder interno canalizado com disciplina, viram efeitos colaterais de um design preguiçoso.

O corpo como metáfora perdida

O Combatente Tatuado poderia ser um dos arquétipos mais poéticos do D&D. Ele poderia ser o Monge que escreve no próprio corpo as palavras que o mundo não merece mais ouvir. Ele poderia ser o ritualista, o Xamã, o devoto do símbolo.

Mas virou um dicionário mal diagramado.

No final, suas marcas não contam histórias. Suas escolhas não moldam estilos. Suas habilidades não encantam. O corpo é apenas suporte — e o jogador, leitor de um texto sem gramática.

Talvez, no próximo playtest, a WotC corrija isso. Talvez, com feedback suficiente, vejamos o renascimento de um Monge que honra a arte que carrega. Mas, por ora, resta apenas a pele marcada pelo que poderia ter sido.

Vozes Dentro de Vozes: A Feitiçaria Ancestral e o Espírito na Magia

“Você não nasceu com esse poder. Ele nasceu com você.”

O mundo não é feito apenas de passado, mas de passados — vozes enterradas em camadas de tempo, murmúrios vivos que nos atravessam mesmo quando acreditamos estar falando sozinhos. Para o Feiticeiro da Feitiçaria Ancestral, o silêncio nunca é completo. Há sempre um outro, ali dentro.

Quando analisamos esta UA, o que parecia à primeira vista apenas mais uma linhagem feérica ou dracônica, revelou-se um gesto mais íntimo: o ancestral como presença viva, como sombra que orienta. Um reflexo encantado no espelho da alma.

Mas será que o sistema acompanha esse chamado?

Herança como combustão

A proposta da subclasse Feitiçaria Ancestral não é apenas retomar o velho clichê do “sangue antigo”. É inverter o vetor da feitiçaria: o poder não vem do mundo, mas da memória. A narrativa diz que o ancestral — poderoso, singular, inesquecível — habita o personagem em fragmento. Um espírito que protege, guia, desperta.

Não se trata de um pacto. Tampouco de uma bênção distante. A subclasse flerta com a posse simbólica: a névoa que envolve o conjurador quando a Feitiçaria Inata se ativa é imagem e metáfora. É o ancestral dizendo “ainda estou aqui agora”.

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I am here now – Ainda estou aqui agora

Na mecânica, isso se manifesta em Aspecto do Ancestral — uma habilidade simples, mas expressiva: vantagem em testes da ação Influenciar (Persuasão, Intimidação, etc.) enquanto envolto pela presença espectral. Não altera o campo de batalha. Mas cria espaço para o teatro.

E talvez seja aí que ela vence.

O feiticeiro que pensa

A habilidade Conhecimento do Ancestral, por outro lado, oferece mais do que dramaturgia. Permite que o Feiticeiro adicione seu modificador de Carisma a testes de Inteligência, e ainda concede proficiência em uma perícia intelectual (como Arcanismo, História, Religião…).

É uma torção elegante: um personagem carismático, intuitivo, emocional — que acessa saberes profundos não por estudo, mas por legado. Como se lembrasse sem ter aprendido. Como se soubesse sem ter vivido.

Como os Avatares de outros tempos falando por Aang, as memórias aqui não são lembranças: são direções. O gesto que o personagem executa já foi traçado antes, por mãos mais sábias. A voz que ele levanta carrega o eco de vozes maiores. Não há estudo, apenas transmissão. Não há leitura, apenas incorporação.

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A mecânica, simples, transforma o Feiticeiro em uma figura de erudição não-acadêmica. Um Simon de D&D: mágico relutante, herdeiro de um talento que nem compreende. O jogador pode finalmente encarnar o “feiticeiro inteligentinho” sem trair a essência da classe.

Isso não apenas amplia possibilidades mecânicas — expande arquétipos, e os ancora em mitologias reconhecíveis, onde o poder não é construído, mas herdado como um sopro contínuo entre gerações.

Magias herdadas

A lista de Magias do Ancestral confirma essa amplitude. Ela mescla encantamentos protetores (Proteção contra o Bem e o Mal, Resistência), suporte espiritual (Guardiões Espirituais, Arma Espiritual), utilidades arcanas (Presságio, Lendas e Histórias) e controle de campo.

O destaque vai para Guardiões Espirituais, magia icônica de Clérigo que aqui ganha novo significado: os protetores não vêm de uma fé externa, mas de dentro. São os mortos da linhagem. São os antepassados lutando por seu descendente.

Esse tipo de intersecção entre narrativa e função é raro — e precioso. Cada magia preparada sugere uma camada na psique do personagem. Cada magia é um sussurro herdado.

Defesa como memória

No nível 6, a subclasse apresenta Disrupção Mágica Superior, uma das mecânicas mais fortes desta UA.

O Feiticeiro passa a ter Contramagia e Dissipar Magia sempre preparadas. Melhor: pode conjurá-las uma vez por Descanso Longo sem gastar espaço de magia — e com bônus exclusivos. A Contramagia impõe Desvantagem na salvaguarda do alvo. A Dissipar Magia concede Vantagem ao usuário.

A explicação narrativa? O ancestral interfere. Protege. Quando a magia adversária ameaça o Feiticeiro, o espírito intercede. “Hoje não”, ele diz — e fecha a porta.

Essa habilidade reposiciona o Feiticeiro no campo de controle e suporte. Ele se torna capaz de impedir magias críticas sem comprometer seus próprios recursos. Em aventuras com poucos Descansos Longos, isso muda tudo.

E muda com estilo.

Aura de presença

No nível 14, a subclasse oferece Majestade Ancestral, uma aura espectral de 1,5 metro. Sempre que uma criatura entra ou termina o turno ali, deve fazer uma salvaguarda de Carisma. Se falhar, sofre a condição Amedrontado ou Caído — à escolha do jogador.

É uma forma elegante de controlar o ambiente de combate baseada em presença, não em dano. E casa perfeitamente com a característica Conjurador Inabalável, que impede a perda de Concentração por dano. Ou seja: o Feiticeiro pode manter Guardiões Espirituais e controlar o campo ao redor sem medo.

A aura não é só visual — é tática. Cria um anel de dissuasão. Um campo de poder que emana da ancestralidade como postura, não como agressão.

A identidade do Feiticeiro ancestral está toda ali: ele não lança magias. Ele é A MAGIA.

Críticas, ecos e vozes

Nas comunidades do Reddit, Canais no YouTube e no EN World, a recepção à subclasse foi majoritariamente positiva. Comentários a descrevem como uma “vitória para o roleplay” e uma “integração finalmente interessante da Feitiçaria Inata”.

Há paralelos com a subclasse do Xanathar Alma Divina, em termos de poder protetor. Com o Feitiçaria do Fogo Primordial, do Unearthed Arcana: Subclasses de Forgotten Realms, lançado em Fevereiro de 2025, em termos de interferência mágica. E com narrativas como Avatar: A Lenda de Aang ou Naruto, em termos de visual e temática.

A comparação com Simon, do filme Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes, aparece mais de uma vez. O feiticeiro que carrega o fardo de um poder herdado, sem controle total — mas com potencial absoluto.

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa
Simon, do filme Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes, lembra o feiticeiro do Subclasses Arcanas 2025

Algumas críticas surgem. O nome “Feitiçaria Ancestral” foi taxado de redundante (“não é toda feitiçaria ancestral por definição?”). E a característica de nível 3 é vista como mais simbólica do que útil. Mas essas observações não desabonam o conjunto.

Ao contrário da subclasse do Monge vista acima, que falha em conectar forma e função, a Feitiçaria Ancestral respira coesão. Ela fala por dentro.

Tradução como evocação

Na tradução brasileira do material, optou-se por manter formas diretas como Feitiçaria Ancestral, Aspecto do Ancestral, Majestade Ancestral e Disrupção Mágica Superior. A decisão buscou preservar a solenidade e a coerência simbólica do texto original, mantendo a estrutura repetitiva dos nomes como elemento estilístico da subclasse.

Ao evitar adições interpretativas ou termos mais livres, a tradução favorece a clareza conceitual e mantém a consistência temática com outras subclasses já existentes. Também se evitou o ruído terminológico observado em versões anteriores.

Essa abordagem permite que a proposta narrativa da subclasse — centrada em legado, orientação e memória espiritual — permaneça íntegra e acessível, sem exigir do jogador esforço adicional de reconexão simbólica.

A linhagem como palco

No fim, a Feitiçaria Ancestral emerge como uma das propostas mais coesas desta Unearthed Arcana. Ela tem sinergia interna, impacto mecânico, potencial narrativo. Ela permite que o Feiticeiro seja mais do que um lançador de magias — seja um herdeiro.

Se a Lâmina Maldita falhou em reinventar-se e o Monge Tatuado tropeçou na própria pele, o Feiticeiro ancestral triunfa no sussurro. Sua magia não é grito. É lembrança. É ressonância.

Voz dentro de voz. Eco dentro de eco. E se escutarmos com atenção, talvez descubramos que o que chamamos de “poder” não é senão memória.

O Guerreiro que Queria Ser Mago: O Disparador Arcano e a Ilusão da Flecha Encantada

Há uma flecha mágica voando em círculos desde 2017. E ela ainda não sabe onde quer pousar.

Nas promessas iniciais de Xanathar para Todas as Coisas, o Arqueiro Arcano surgiu como a tentativa de dar ao Guerreiro um verniz arcano — um toque de magia sobre a ponta da flecha. Mas a execução mecânica foi tímida. Os usos por Descansos Curtos ou Longos eram restritos. As opções de Disparo Arcano, limitadas. O impacto, frustrante. Era, nas palavras de muitos, “uma ideia ótima com um design insípido”.

Agora, nesta UA, o que recebemos foi um esboço de redenção. Um novo nome — adaptado por nós como Disparador Arcano —, novas regras, compatibilidade com armas de pólvora. Mas o voo da flecha ainda vacila. A trajetória, em vez de mágica, parece traçada a régua.

A flexibilidade sem alma

A primeira mudança é, ao menos na teoria, libertadora. O Disparo Arcano não está mais atrelado a arcos. Qualquer arma com a propriedade Munição pode canalizar a energia arcana: bestas, pistolas, mosquetes. A imaginação se abre para Pequeninos atiradores com Fundas encantadas, Anões Artífices brandindo trabucos místicos, Gnomos Guerreiros armados com Revólveres cerimoniais.

É, em essência, uma vitória simbólica: a subclasse deixa de ser um “arqueiro élfico mágico” e passa a ser um atirador místico universal. A lore reforça isso, reconhecendo que os métodos místicos élficos foram replicados por outras espécies. Não é mais um segredo élfico. É uma técnica replicada. Democratizada.

Mas essa liberdade temática não encontra contrapartida em identidade mecânica. A classe se amplia em escopo, mas não em profundidade. As armas podem ser muitas. As possibilidades, diversas. Mas a sensação é de que todas as opções disparam o mesmo vazio.

A progressão que não progride

Uma das principais mudanças estruturais do Disparador Arcano é a introdução de um dado de dano escalável: o Dado de Disparo Arcano. Começa como um d6 no nível 3. Aumenta para d8 no nível 10. Depois d10, depois d12.

A ideia é clara: dar ao Guerreiro um aumento progressivo no impacto dos disparos mágicos, corrigindo o problema da versão anterior em que os efeitos arcanos estagnavam enquanto o poder das classes marciais crescia.

Mas a execução é preguiçosa. Cada melhoria subsequente é apenas um aumento numérico. De d6 para d8. De d8 para d10. Um “+1” disfarçado de nível. A sensação é de estagnação com camada de progresso. Uma das críticas mais recorrentes nos fóruns é que a subclasse parece “frontalizada demais”: ela entrega tudo de interessante no começo — e depois oferece apenas aumentos de número, sem criatividade.

É como se o Guerreiro estudasse magia por anos e, no final da jornada, a única coisa que aprendesse fosse… atirar com um pouco mais de força.

Disparos mágicos, corações mundanos

As opções de Disparo Arcano são variadas e, em alguns casos, brilhantes. O Disparo Perfurante, que permite que a munição atravesse uma porta e acerte alguém do outro lado, é uma evocação deliciosa da fantasia de um sniper místico. O Disparo Perseguidor, que persegue o alvo contornando obstáculos, é taticamente interessante e visualmente cinematográfico. O Disparo Enfeitiçador, que permite encantar sem quebrar o efeito ao atacar, adiciona uma camada de suporte inusitada ao Guerreiro.

Mas mesmo aqui, há ruído.

O Disparo de Banimento é considerado “situacional demais”. O Disparo Imobilizador exige que o alvo falhe uma salvaguarda para ter a condição Contido — condição poderosa, mas que dificilmente se mantém por muito tempo. O Disparo de Sombra causa Cegueira, mas seu impacto é modesto comparado ao custo tático.

Além disso, o número de usos diários dessas Munições mágicas agora depende do modificador de Inteligência do Guerreiro, com mínimo de uma vez. A ideia é incentivar builds mais arcanas, voltados para personagens que estudam, que pensam, que conhecem. Mas exige que o jogador invista pontos preciosos num atributo que pouco afeta o resto da classe — o que pode ser dissonante com a fantasia de muitos jogadores de Guerreiro.

Assim, a subclasse oferece tempero, mas exige sacrifícios de construção. E o tempero pode não valer o custo.

Um Mestre da Batalha com tinta mística

A comparação é inevitável: o Disparador Arcano é, em muitos aspectos, um Mestre da Batalha reembalado com efeito mágico. Ambos oferecem opções táticas situacionais, disparadas com recursos limitados por Descansos Curtos e Longos. Ambos concedem efeitos que alteram o fluxo do combate de forma pontual. Mas o Mestre da Batalha começa com mais recursos, oferece maior variedade de efeitos úteis e, em níveis mais altos, pode usar uma manobra gratuitamente com um dado reduzido — algo que o Disparador Arcano não tem.

Além disso, o Mestre da Batalha não exige investimento em atributos secundários para funcionar plenamente. Suas manobras se baseiam no que o Guerreiro já é bom em fazer. O Disparador Arcano, por outro lado, exige que ele seja parcialmente Mago — sem dar a ele as ferramentas completas da conjuração.

É um pacto mal costurado: exige estudo sem oferecer um livro de magias.

Por isso, muitos descrevem a subclasse como “uma cópia piorada” do Mestre da Batalha. Sem o charme narrativo do Cavaleiro Místico. Sem a resistência do Cavaleiro Rúnico, do Tasha. E sem a versatilidade de verdadeiros conjuradores marciais.

Reciclagem sem reinvenção

A crítica mais dura, e mais recorrente, é que o Disparador Arcano parece uma tentativa apressada de corrigir erros do passado — sem a inspiração necessária para torná-lo memorável. Ele é descrito como “competente, mas sem diferencial”. “Melhor do que antes, mas ainda entediante”.

A progressão monótona de níveis altos, a ausência de novas opções em níveis intermediários, e o foco quase exclusivo em dano e controle direto fazem com que o “guerreiro mágico” continue parecendo um Guerreiro com um truque — e não um verdadeiro híbrido entre aço e arcano.

O Dado de Disparo Arcano deveria ser uma promessa de escalada mágica. Mas é um lembrete de que a magia aqui é medida em números, não em ideias.

Armas que falam… pouco

Enquanto subclasses como o Lâmina Maldita evocam espadas sencientes, pactos sombrios e magias que sussurram, o Disparador Arcano não possui nenhuma voz mítica. Nenhuma lore concreta. Nenhum vínculo com escolas mágicas, planos distantes, entidades arcanas. Nenhuma menção a tradições perdidas ou ordens secretas de arqueiros místicos. Apenas “outros povos aprenderam com os elfos”.

O guerreiro atira. E a flecha brilha. Mas não há por quê.

Talvez esse seja o maior pecado da subclasse: a ausência de identidade.

Em um sistema onde o Clérigo Arcano recita magias de Bigby como preces e o Feiticeiro Ancestral invoca guardiões espirituais de sua linhagem, o Disparador Arcano parece um artefato sem origem. Uma técnica sem tradição. Um efeito visual sem alma.

O Guerreiro que queria ser Mago. Mas não encontrou sua escola.

Vozes da comunidade: o encantamento inacabado

Nas redes, a recepção é morna. Entre vídeos no YouTube, fóruns como o r/onednd e discussões no EN World, já citadas anteriormente, a opinião majoritária é de decepção.

Todd Kenreck, em sua análise, diz que “não amei particularmente a execução”. Outros descrevem o Disparador como “sem diferencial”, “meia boca”, “genérico”. Alguns elogiam os disparos individuais, como o Perfurante e o Perseguidor, mas criticam a progressão e a falta de recursos únicos. Há também quem defenda a liberdade temática como avanço — mas reconhece que o design não sustenta a proposta.

O veredito geral é de que o Disparador Arcano é uma subclasse que… funciona. E só.

Tradução como coerência temática

A decisão de traduzir a nova versão como Disparador Arcano, e não mais como Arqueiro Arcano, responde a uma mudança explícita no próprio escopo da subclasse. No original de 2017 — conforme consta no Guia de Xanathar para Todas as Coisas — o texto descrevia um estilo élfico específico de Arqueria, com habilidades acionadas exclusivamente por arcos. Os disparos arcanos, ali, eram flechas. A fantasia proposta era a do arqueiro mágico de elite, guardião dos domínios élficos.

Na versão de 2025, esse vínculo com o arco foi rompido.

Agora, qualquer arma com a propriedade Munição pode ser usada: fundas, bestas, pistolas, mosquetes. O texto reconhece que “outras espécies aprenderam os métodos místicos élficos de combinar aptidão arcana com arquearia e ampliaram sua aplicação”. A especialização deixou de ser a Arquearia e passou a ser o Disparo Místico, seja lá com que arma for. Manter o termo “Arqueiro” seria, portanto, inadequado à nova proposta mecânica e narrativa.

Por isso, a escolha por Disparador Arcano como nome da subclasse.

O novo termo não faz referência à arma, mas à ação — e está alinhado com o padrão da 5e 2024 para nomes de arquétipos marciais, que frequentemente empregam formas verbais ou funcionais (como Mestre de Batalha, Cavaleiro Rúnico, Disparador Arcano).

O mesmo critério foi aplicado às opções da subclasse. Adotou-se a forma direta e funcional para os nomes dos disparos: Disparo Perfurante, Disparo Debilitante, Disparo Imobilizador, entre outros — em vez de versões substantivadas como “Flecha de…” que remetiam à versão original centrada em arcos. A nomenclatura foi ajustada para refletir o novo paradigma semântico da subclasse: não se trata mais de flechas encantadas, mas de projéteis arcanos.

A expressão Dado de Disparo Arcano foi mantida como tradução direta de Arcane Shot Die, em conformidade com a nomenclatura estabelecida no glossário da SRD 5.2 que estamos trabalhando. Evitou-se o uso de termos estilizados ou interpretativos que poderiam introduzir ruído mecânico.

Enfim, pra não prolongar algo que já pode ser alvo de críticas de quem não entende: a tradução foi reformulada para acompanhar a transformação conceitual da subclasse, respeitando o novo escopo técnico e garantindo clareza funcional. Não há truques estilísticos — apenas coerência temática. A arma pode ter mudado. Mas o que se atira ainda é magia.

Clérigo do Domínio Arcano: O Conjurador Entre Dogmas e Diagramas

Nem todo milagre vem com asas. Alguns vêm com instruções. E um selo de cera.

Entre os tantos esforços desta UA para revisitar arquétipos esquecidos, um dos mais discretos — mas possivelmente mais ambiciosos — é o Clérigo do Domínio Arcano. A proposta é simples na superfície: um sacerdote da magia arcana, um teurgo de diagramas, um cruzamento entre o Mago e o Devoto. Mas, como toda tentativa de híbrido, há o risco da costura parecer visível demais.

Essa subclasse nasceu num entrelugar incômodo. Nem é um Mago verdadeiro. Nem é um Clérigo completo. E mesmo assim, tenta andar pelos dois corredores do templo, acendendo velas e calculando círculos.

Mas será que o altar comporta tantos livros de magia?

Magia com devoção: o cenário inicial

O Domínio Arcano não é novo. Ele já havia sido apresentado no Guia do Aventureiro para a Costa da Espada, mas passou quase despercebido — uma daquelas subclasses que existem mais por completude do que por aclamação. Sua identidade era tênue: um Clérigo com truques de Mago, que entendia Arcanismo e podia conjurar Míssil Mágico. Simpático, mas não inesquecível.

Na nova versão, a WotC tenta dar corpo a essa proposta. Logo no nível 3, o Clérigo aprende dois truques de Mago à sua escolha, podendo trocá-los sempre que sobe de nível — um gesto incomum, e elegante. Também recebe proficiência em Arcanismo. E, se já a possui, ganha Especialização — algo raríssimo para Clérigos. O símbolo é claro: este é o sacerdote que lê.

Em vez de invocar a divindade pela fé, ele a convoca por integração: o arcano como via sagrada, e o sagrado como fórmula mágica.

A seleção de Magias de Domínio reforça essa aliança: Míssil Mágico, Arma Mágica, Dissipar Magia, Círculo de Teleporte, Mão de Bigby. Todas evocam um Clérigo que, ao levantar o Símbolo Sagrado, não está pedindo — está declarando. Um rito arcano, uma oração em hexágonos.

Mas há também o risco de tudo soar como uma fantasia emprestada.

Um sacerdote com gravata

A metáfora que se impõe, ao longo das primeiras habilidades, é a do Clérigo acadêmico. Um bibliotecário divino. Alguém que não entra no campo de batalha com escudo e fé — mas com símbolos, perícias, teoremas. A característica Conhecimento Mágico funciona como o passaporte para esse modelo: ela permite que o Clérigo se torne um especialista técnico. Mas essa competência, por si só, não o transforma em alguém encantador.

A ideia tem charme. Mas falta voz.

É como um avatar sem ciclo de reencarnações. Há uma promessa de memória, mas não se escuta os ecos. O Feiticeiro Ancestral, comentado anteriormente, carrega a alma dos antigos. O Clérigo Arcano parece ter apenas um certificado.

Ainda assim, há lampejos de criatividade. O Canalizar Divindade: Modificar Magia é um desses momentos.

A oração reescrita

Ao usar o Canalizar Divindade para modificar magias em tempo real — sem ação, sem custo adicional —, o Clérigo do Domínio Arcano finalmente parece fazer jus ao nome. Não é mais apenas um conjurador com diploma: é alguém que dobra o milagre.

O jogador pode, ao conjurar uma magia de cura, conceder Pontos de Vida Temporários extras (2d8 + nível do Clérigo). Ou, ao conjurar uma magia que exige salvaguarda, impor –1d6 ao alvo. Simples. Direto. Poderoso.

Mais que isso: elegante.

É como se cada magia carregasse uma rubrica. Um adendo. Um rodapé místico que transforma a magia genérica em gesto único. Isso gera sinergia com uma variedade de estilos: o Clérigo de suporte se fortalece, o de controle ganha nova camada, o de dano se vê com mais precisão.

Mas o ápice está no final. Ou deveria estar.

O epílogo que chega tarde

No nível 17, surge Maestria Arcana. E aí, sim, o Clérigo vira um meio-Mago.

Quatro magias — uma de cada círculo entre 6º e 9º — são adicionadas à sua lista permanentemente. Não ocupam preparação. E podem ser trocadas a cada novo nível. Isso significa acesso a absurdos como Desintegrar, Imobilizar Monstro, Labareda Solar, Desejo — dependendo, claro, da generosidade da mesa com listas expandidas.

É um poder considerável. Mas chega no final da campanha. E, para muitos jogadores, nunca chega.

As campanhas raramente atingem o nível 17. E quando atingem, há tantos recursos acumulados que a diferença de poder entre um magia adicional e uma espada mágica +3 tende a diluir-se. Assim, o impacto narrativo da Maestria Arcana é limitado por sua tardança estrutural.

Talvez essa característica devesse ser fracionada — uma magia nova a cada dois níveis, por exemplo. Ou antecipada ao nível 13. Mas da forma como está, ela soa como uma promessa não cumprida para a maioria dos jogadores.

E ainda há um problema mais grave.

Dissipar Magia, Dissipar Função

A característica de nível 6, Recuperação Dissipadora, tenta ser uma evolução da antiga Rompedor de Magia. Mas onde antes havia coesão, agora há colisão.

  • Antes: ao conjurar uma magia de cura, você dissipava uma magia à escolha no alvo, gratuitamente.
  • Agora: ao conjurar uma magia que cura ou remove uma condição, você pode conjurar Dissipar Magia como Ação Bônus — sem gasto de espaço. Parece melhor. Mas é pior.

O problema não está no poder bruto, mas na incompatibilidade de ações.

Palavra Curativa, Restauração Menor, Remover Maldição — todas são Ações Bônus. E a Recuperação Dissipadora também exige uma Ação Bônus. O jogador precisa escolher entre um ou outro — ou ter que esperar o próximo turno com algo que poderia fazer em menos tempo.

Além disso, a conjuração de Dissipar Magia com efeito normal implica um risco: se usada em aliados, pode remover magias benéficas, como Celeridade. Em resumo: o efeito colateral pode ser grave. E a mecânica exige mais precaução do que parece.

É o tipo de design que parece inteligente, mas tropeça na prática.

E esse tropeço derruba parte da fantasia.

Um arquétipo em conflito

O Domínio Arcano quer ser o Clérigo do saber místico. Um conjurador que caminha entre as escolas e os salmos. Mas as suas habilidades nem sempre dialogam.

  • Canalizar Divindade é eficaz e versátil.
  • A seleção de magias é temática e inspiradora.
  • O nível 17 oferece poder legítimo — mas tarde demais.
  • A Recuperação Dissipadora é uma promessa frustrada.

O resultado é uma subclasse interessante, mas truncada. Com momentos de brilho e buracos na fundação.

Ela oferece possibilidades para jogadores que gostam de sinergia, controle e planejamento. Mas exige ajustes de mesa, boa leitura de ações e muita boa vontade para fazer sentido em fluxo narrativo.

Tradução como adequação técnica

Na versão brasileira do texto, optamos por manter os nomes de forma direta e funcional, preservando a lógica semântica da 5e e a nomenclatura consistente com o glossário da SRD 5.2.

  • Domínio Arcano segue a mesma lógica de Domínio da Tempestade ou Domínio da Morte — não é um tipo de magia, mas uma esfera de influência teológica.
  • Modificar Magia (em vez de “Reformar Magia” ou “Transmutar Fé”) foi escolhido por clareza funcional.
  • Maestria Arcana mantém a solenidade do original, ecoando nomes como “Maestria na Batalha”.
  • Recuperação Dissipadora foi o termo que melhor capturou a mecânica de conjurar Dissipar Magia após cura, sem criar ruído com as ações envolvidas.

A tradução buscou não inventar o que o design não disse. Quando o texto original é híbrido, a tradução precisa ser precisa. Sem adornos. Apenas fiel.

O templo do meio

Se pensarmos nas subclasses desta UA como encarnações sucessivas de um mesmo espírito de design, o Clérigo do Domínio Arcano é aquele que lembra seus antecessores com reverência — mas sem herdar todo seu glamour.

Ele não carrega a força simbólica do Feiticeiro Ancestral, nem a dissonância gritante do Monge Tatuado. Ele é um intermediário. Um Clérigo que estudou magia por vocação e dedicação, não por acidente. Um personagem que poderia ter sido um Mago, mas encontrou o método científico como uma fé mais confiável.

Mas nem toda vida deixa legado. Algumas apenas cumprem função.

E nesse equilíbrio instável entre o divino e o diagrama, o Domínio Arcano encontra sua morada. Resta saber se haverá jogadores dispostos a rezar essa equação.

Magistas de Segunda Mão — Os Quatro Pilares: Tradições Arcanas no Espelho do Tempo

No início, havia apenas o livro de magias. A escola era uma escolha, uma doutrina, um corte entre infinitas possibilidades. Ser um Transmutador não era apenas mudar a matéria: era transformar o próprio olhar. Ser um Necromante era escutar o que jaz. Um Invocador? Um chamador de ecos. Um Encantador? Um mentiroso que contava a verdade por outros meios.

Mas em 2025, a tradição virou template. E devido a isso, irei colocar todas as subclasses de Mago em uma parte só.

As Tradições Arcanas revisitadas nesta Unearthed ArcanaEncantador, Invocador, Necromante e Transmutador — surgem como peças de um sistema de catalogação. Não são mais caminhos místicos ou doutrinas divergentes. São quadros preenchidos em fichas de jogador. A promessa era de condutos poderosos da magia arcana. O que se encontra, no entanto, é um ciclo de reformulação que tenta consertar, não inventar. Corrigir, não provocar.

A gramática do livro de magias perdeu seu latim.

O Invocador e o passo que troca de lugar

A escola da Invocação é, em teoria, a mais plural entre as oito: ela invoca, teleporta, traz e afasta. Mas o Mago Invocador, por anos, foi visto apenas como o “cara que chama monstro e vê ele morrer”.

A versão de 2025 tenta reinventá-lo como o mestre da posição.

A Transposição Benigna, outrora uma habilidade de nível 6, passa a ocupar o centro da identidade da subclasse logo no nível 3. Agora, como uma ação Usar Magia, o Mago pode se teleportar 9 metros ou trocar de lugar com uma criatura voluntária que ele possa ver. No nível 6, a distância dobra, e no 14, a transposição se torna uma Ação Bônus — ou uma Reação, se o Mago for atacado. Nesse último caso, o ataque acerta quem ficou no lugar.

Trocar com o tanque. Ou com a invocação. Ou com o front-line. Ou com ninguém, por não ter linha de visão. O gesto é tático. O tempo é curto. E a piada está pronta: “um invocador que se especializa em teleporte? Acho que alguém não leu o nome da escola”.

Mas a ironia não anula a efetividade. A mecânica de troca de posição com criaturas invocadas tem sinergia direta com Convocação Duradoura, que torna as invocações mais resistentes, garantindo-lhes Pontos de Vida Temporários e estendendo sua permanência. O Mago Invocador se torna, assim, menos um chefe de invocações e mais um bailarino posicional — alguém que manipula presença no campo como outros manipulam dano.

O que se perde, porém, é a fantasia do mestre de marionetes arcanas. Não há aumento real na quantidade ou qualidade das invocações. Não há lista exclusiva. Não há sabor. As criaturas invocadas são ferramentas, não temas. A evocação perde a voz.

A evocação perde espírito.

O Transmutador e a pedra que cura

Entre os Magos da 5e, o Transmutador sempre foi o mais esquecido. A subclasse original, descrita como “a última ruim ainda não corrigida”, vagava sem papel claro — mudando propriedades de objetos, ajustando Resistências, mas nunca afetando a narrativa.

A nova versão tenta resolver isso com um gesto: descer a Pedra do Transmutador para o nível 3.

Essa pedra — uma espécie de talismã alquímico — pode ser carregada por qualquer criatura e fornece um dos seguintes benefícios: Deslocamento adicional, Resistência a um dano, Imunidade à doença, ou Vantagem em testes de Constituição. É um bônus permanente, enquanto a pedra existir. Pode parecer pouco, mas para personagens de baixo nível, é uma dádiva. Especialmente quando comparada à proficiência simbólica dos outros Magos, como o Encantador e seu carisma acidental.

Mas o verdadeiro ponto de inflexão está no Mestre Transmutador (nível 14), que permite consumir a pedra para realizar um entre três efeitos: Panaceia (cura e remoção de maldições), Reviver os Mortos (sem gastar magia nem componentes), ou Restaurar Juventude (reduz a idade aparente em 3d10 anos). Esse último efeito é tão narrativo quanto inútil. Mas os dois primeiros são poderosos. Especialmente em campanhas de média duração.

O problema é que o Transmutador, mesmo corrigido, continua sem causa.

Não é um alquimista. Não é um mutante. Não é um alterador de forma. É um “cara com pedra”, um curandeiro de emergência, um prestador de serviços mágicos que não sabe dizer não. A fantasia de “mudar o mundo com a mente” se resume a bônus em testes e PVs restaurados. Há poder — mas não há mito.

A alquimia, aqui, é de números na party.

O Necromante e os mortos que se curam

Faltou alguém à mesa.

Há ausências que moldam a paisagem mais do que presenças. E quando se trata das escolas arcanas, a ausência é quase sempre sintoma de um projeto mais amplo — ou de uma hesitação editorial. Foi o que sentimos, meses atrás, ao analisar o Unearthed Arcana: Subclasses de Horror (2025).

Na ocasião, como registramos em “Unearthed Arcana: Subclasses de Horror — análise crítica e tradução completa”, o conjunto trouxe propostas ousadas para Feiticeiro, Bruxo e Monge, explorando o horror simbólico e psicológico com relativo frescor. Mas algo nos pareceu ausente, silenciado demais para ser acaso: o Mago. Mais especificamente, o Necromante — a tradição que, por essência, dialoga com a finitude, com a decadência, com os espaços vazios entre um plano e outro. Não havia, ali, qualquer voz da escola da morte.

E agora, com o Unearthed Arcana: Subclasses Arcanas (2025), o Necromante retorna. Mas não como espectro do horror — e sim como burocrata do cadáver. Em vez da evocação do abismo, temos a matemática dos PVs temporários. Em vez do ritual do medo, o template do dano necrótico.

Um novo acordo com os mortos

Desde os tempos do Livro do Jogador 2014, o Necromante é uma das promessas frustradas da magia arcana. A imagem era poderosa — um mestre da não-vida, capaz de erguer exércitos de Zumbis e subverter a ordem natural. Mas a mecânica nunca acompanhou a mitologia. O controle limitado de mortos-vivos, a dependência de magias demoradas, a falta de efeitos emblemáticos tornaram o arquétipo mais uma alegoria estética do que uma escolha estratégica relevante.

Com a revisão de 2025, há, ao menos, uma tentativa de reconstrução funcional.

O foco agora está em três pilares: (1) geração de Pontos de Vida Temporários através de dano Necrótico, (2) uso tático de Mortos-vivos como recursos curativos e defensivos, e (3) aplicação de efeitos passivos ligados ao tema da necromancia. É um avanço, mas de natureza diferente: o Necromante deixou de ser o animador de Esqueletos para se tornar um alquimista de vitalidade roubada.

A habilidade Canal de Vida, por exemplo, permite que, ao causar dano Necrótico com uma magia, o Mago conceda PVs Temporários a si mesmo e a uma criatura próxima. O efeito se estende também a mortos-vivos controlados — eles ganham PVs ao participar da cena. O ciclo se completa com a característica Sacrifício de Essência, que permite ao Mago consumir os PVs temporários de uma criatura sob seu controle para curar a si mesmo. Uma troca vital entre servo e mestre.

Entre o túmulo e a enfermaria

A pergunta que emerge, então, é: isso é necromancia?

Não no sentido simbólico. Mas talvez, em um sentido cínico, sim. Porque o Necromante que surge aqui não evoca os mortos para escandalizar a vida. Ele os convoca para manter-se funcional. Os esqueletos não dançam. Eles tamponam dano.

A mecânica tenta reinventar o papel do morto-vivo em jogo. Ele não é ameaça. Ele não é fantoche. Ele é amortecedor. Um tanque portátil que gera PVs temporários, que pode ser drenado em momentos críticos, e que serve mais como recurso de combate do que como evocação narrativa. O Mago Necromante virou o gerente de um hospital de cadáveres.

Mas ao fazer isso, o design sacrifica a fantasia.

Não há rituais. Não há transformação. Não há horror. As magias são as mesmas. Os zumbis são os mesmos. A única diferença é o modo como o jogo os contabiliza. O Necromante agora tem mais eficiência numérica — mas menos presença dramática.

Sobrevivência não é evocação

Há um paradoxo em tornar o Necromante um suporte de PVs temporários. O arquétipo que deveria flertar com a fragilidade da vida passa a ser o que mais sobrevive. Com um exército de alvos descartáveis para dividir dano, com mecanismos de regeneração e controle, e com efeitos de mitigação robustos, ele se torna um dos Magos mais difíceis de matar. Um tanque por acidente.

Isso é narrativamente dissonante. A ideia de que o Necromante “é difícil de matar porque vive entre os mortos” faz sentido apenas se a morte for parte do enredo — e não da economia de recursos. Aqui, ela vira estatística. O risco simbólico é trocado pelo risco calculado. O personagem não se move entre dois mundos. Ele não morre. E é só.

Falta de alma

Nos fóruns, a reação foi desigual. Alguns elogiaram a mecânica como “muito útil”, outros disseram que o arquétipo está “mais jogável”, “menos travado”. Mas poucos disseram que está mais interessante. E quase ninguém disse que está mais assustador.

Em vídeos como os do Nerd Immersion, o feedback é claro: “o sonho da invocação de lacaios está morto”. O novo Necromante pode até funcionar melhor — mas ele não inspira.

A comparação com outras propostas, como o Death Wizard de Kobold Press ou o Philosopher from the Crooked Moon, que trata a morte como conceito metafísico, evidencia o contraste. Lá, a necromancia é estética, poética, perigosa. Aqui, é uma calculadora com pele.

Revisão ou recuo?

Não se pode dizer que a revisão é incompetente. Ela resolve problemas. Organiza efeitos. Otimiza escolhas. Mas ela também esvazia.

Ao transformar o Necromante em uma subclasse de mitigação e PVs temporários, a Wizards opta por um design seguro — que provavelmente agradará jogadores pragmáticos, mas que perde o nervo da escola.

Ele não conversa com os mortos. Ele só os usa.

E nesse uso, há pouco de arcano. Pouco de abissal. Pouco de transgressor. A subclasse que deveria lembrar a todos de que a vida é breve virou a que resiste mais. A que deveria andar com caveiras falantes virou uma usina de bônus de resistência.

No final, não é a morte que vence. É a estatística.

O silêncio do horror

O mais irônico é que este Necromante surge justamente após a UA mais ousada da WotC — a Subclasses de Horror. Lá, vimos o Monge com olhos de tinta, o Bruxo que se alimenta de medo, o Feiticeiro assombrado pela própria linhagem. Mas o Mago? Ausente.

Era o espaço perfeito para reimaginar a necromancia como evocação do terror, como pacto com o vazio. Em vez disso, ela veio aqui. Tardia. E tímida.

A ausência do Mago na UA de Horror não foi substituída — foi anulada. Este Necromante não responde à lacuna deixada antes. Ele desvia dela.

E talvez essa seja a morte mais definitiva de todas: não a morte dos corpos, mas a morte da ideia. A necromancia, como evocação simbólica da ruptura, parece esquecida. Enterrada sob folhas de cálculo.

O Encantador e o espelho que não convence

A escola de Encantamento sempre caminhou na linha tênue entre o roleplay e o controle. Seus efeitos são difíceis de equilibrar, pois dependem da vontade dos alvos. Seu apelo sempre foi a persuasão mágica, o domínio da vontade alheia. Mas a nova versão tropeça no reflexo.

No nível 3, o Encantador ganha a habilidade Réplica Encantadora. Quando uma criatura o ataca e falha, o Mago pode forçá-la a fazer uma salvaguarda de Sabedoria. Se falhar, ela sofre Dano Psíquico e tem Desvantagem no próximo ataque. É uma defesa simbólica — como um espelho de maldição emocional. Mas o dano é baixo, o uso é limitado, e a fantasia, pouco inspirada.

A Lábia Encantadora, no mesmo nível, oferece Proficiência em todas as perícias baseadas em Carisma, além de bônus igual ao modificador de Inteligência nos testes. Aqui há sinergia real. Um Mago carismático? Um manipulador? Um diplomata arcano? A fantasia respira. Mas sem suporte real — magias exclusivas, interações únicas, mecânicas de domínio — a subclasse patina.

No nível 10, o Encantamento Dividido permite afetar duas criaturas com uma única magia de Encantamento, como se fosse um Magia Duplicada do Feiticeiro incorporado. Funcional, mas genérico. No nível 14, a característica Magia Irresistível torna difícil evitar magias de Encantamento. Mas sem foco em uma lista de magias potente, sem conjurações temáticas ou recursos de resistência mais fortes, o efeito é limitado.

Nos fóruns, os comentários são unânimes: “útil, mas também enfadonho”. O Encantador parece prometer a sedução, o engano, o domínio das mentes. Mas entrega bônus e reações fracas. É um Casanova de livros de gramática. Um Loki que esqueceu como mentir.

Mais conjurador de bônus do que de vontades.

A padronização como doença

Todos os quatro Magos compartilham da mesma estrutura: uma característica de magias grátis no nível 3 (“Versado em…”), uma característica no nível 10 que tenta aumentar eficiência, e um “poder final” de nível 14 que consome um recurso acumulado ou ativa um bônus numérico.

A crítica geral é de que, embora funcionais, essas tradições parecem derivadas de um único molde. Falta excentricidade. Falta risco. Falta caos. Falta Jeremy Crawford.

A mágica virou cálculo. O livro de magias, catálogo.

E os Magos — esses que deveriam encarnar o estudo do impossível — tornaram-se memorizadores de nomes de magias e recursos.

Os quatro pilares revisados — Encantador, Invocador, Necromante e Transmutador — tentam sustentar a torre arcana de D&D 2025. Mas sua base, por vezes, parece de papel. Há atualizações funcionais, sim. Há acertos. Mas há também uma padronização sem alma, uma repetição de fórmulas que enfraquece o que antes era distinção. E, talvez, o pior: uma sensação de que o horror, o mistério e o perigo que um dia habitaram essas escolas foram trancados num livro de magias e esquecidos numa prateleira sem nome.

Recauchutagem, Ruído e a Ausência de Vozes 

Quando a repetição ocupa o lugar da evocação, o feitiço se torna fórmula.

Há silêncio até mesmo nos ruídos. E nos ruídos, às vezes, ouvimos o que foi calado. Esta UA, publicada em junho de 2025 (para quem verá no futuro) sob o nome “Subclasses Arcanas”, ressoa como esse tipo de ruído — uma sequência de sons reconhecíveis, mas destituídos de alma. Cada subclasse ali contida carrega ecos de vidas passadas: o Bruxo da Lâmina Maldita que já foi sombra viva, o Guerreiro Disparador Arcano que já foi arqueiro élfico, o Mago que já comandou necroses e legiões, o Invocador que já invocava.

Mas agora, suas vozes não ecoam. Elas apenas repetem.

A roda que gira e não leva

Das seis subclasses apresentadas, quatro são revisões diretas de conteúdos anteriormente publicados: o Lâmina Maldita, do Guia de Xanathar, o Arqueiro Arcano da mesma fonte, o Necromante do Livro do Jogador 2014, e o Invocador — que já teve variações mecânicas em módulos como Tasha e Strixhaven, ainda que não sob este nome exato. A escolha de reapresentá-las, sob nova roupagem e em bloco, parece estratégia. Mas qual?

A Wizards, no vídeo explicativo, afirma que “o objetivo é amplificar arquétipos icônicos para a nova edição” — e, num plano superficial, isso é verdade. O Disparo Arcano do Guerreiro agora escala com um dado de dano; o Maldição do Lâmina Maldita é ativável com mais frequência; o Necromante distribui Pontos de Vida Temporários como quem dá moedas a fantasmas. Há números ajustados. Há novas palavras.

Mas o que não há — e isso é um problema — é voz.

Falta-lhes o gesto que fazia do Lâmina Maldita um personagem que ouvia lâminas sencientes. Falta-lhes o encantamento que fazia do Arqueiro Arcano um discípulo dos elfos. Falta-lhes o corpo animado que fazia do Necromante um sacerdote das fronteiras entre os mundos. Falta-lhes alma. E talvez falte mais que isso: falte-lhes autoria criativa dos últimos anos com os principais designers.

A ausência de quem moldava silêncios

Jeremy Crawford, Chris Perkins, Todd Kenreck. Não são apenas nomes — são os alicerces sobre os quais a 5ª edição construiu suas sombras, suas dobras, seus encantos. Quando um conjurador de D&D 2014 abria um suplemento, via o mundo ali. Não só como estatística, mas como voz editorial: uma aura coerente, uma gramática de jogo que falava em uníssono.

Hoje, esse uníssono se fragmentou.

Os vídeos de playtest mostram apresentadores desconfortáveis, hesitantes, como se estivessem lendo de um script escrito em cima da hora. As subclassses soam genéricas. Os poderes são descritos por muitos jogadores como “cookie cutter”, “diretos ao ponto e chatos”, “sem identidade”. O caso do “Quick Transposition” — erro de revisão em que o nome de uma característica do Invocador foi trocado entre notas de design — tornou-se símbolo da desorganização mais ampla. E não é apenas uma falha tipográfica. É um sintoma.

UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa

É a perda de coesão que vem com a perda de curadoria.

É a perda de voz.

Mecânica funcional, fantasia desidratada

Nenhuma das subclasses é, tecnicamente, ruim. O Invocador teleporta. O Lâmina Maldita amaldiçoa. O Disparador Arcano causa dano. O Necromante cura Mortos-vivos. Todos “funcionam”. Mas há uma diferença entre operar e inspirar.

O Invocador, por exemplo, tem como principal mecânica a Transposição Rápida — uma habilidade de teleporte, não de invocação. Seus recursos reforçam Deslocamentos, Reação, Resistência à perda de Concentração. Mas onde estão os círculos mágicos? Onde está o domínio de planos e criaturas? O Invocador virou um mago evasivo. Um Ilusionista tímido. Um Bardo sem performance.

Já o Disparador Arcano, antes ancorado na estética dos elfos, agora aceita “qualquer arma de Munição” — incluindo armas de fogo. A identidade foi substituída pela utilidade. O Dado de Disparo escala, os efeitos de flechas são expandidos. Mas são “números”. Nada ali convoca imagens. Nada sugere uma lenda. Jogadores descrevem o arquétipo como “versão piorada do Mestre de Batalha”.

O Necromante sofre talvez a transmutação mais dolorosa. Aquilo que poderia ser um xamã das cinzas, um canalizador das vontades pós-morte, torna-se um contador de PVs Temporários. Cada aliado que recebe a bênção da morte ganha 1d6 de carne emprestada. Cada servo é um alicerce estatístico. Até mesmo o ritual de matar o próprio zumbi para recuperar vida virou matemática. O horror, que podia ter feito do Necromante o protagonista de uma UA de terror, foi cedido ao dano Necrótico em área. E evaporou.

Baldur’s Gate e o que poderia ter sido

A comparação com Baldur’s Gate 3 é inevitável. Ali, o Disparador Arcano é uma classe rara, elegante, encantada. Suas flechas explodem, enfeitiçam, perseguem. O jogador sente o peso da escolha, o gosto da evocação. É o oposto do que se lê na Unearthed Arcana: aqui, as flechas, novamente, coisas para se preencher na ficha de personagem.

O mesmo vale para a invocação. Onde está o círculo, a invocação, o contato com planos? Mesmo o Mago da Escola de Invocação, na 5e original, parecia mais apto a invocar. Aqui, o Invocador virou acrobata. O Necromante, um clérigo de segunda. O Disparador Arcano, um atirador genérico. Não há plano nem panteão.

E se pensarmos em sistemas como Daggerheart, 13th Age ou Fabula Ultima, o contraste se aprofunda. Lá, o design é narrativo. Cada escolha carrega peso simbólico. Cada habilidade sugere uma história. Aqui, temos tabelas. Muitos números. Poucos nomes.

O cânone que se desfaz

O mais irônico é que essa UA se intitula Subclasses Arcanas. Mas qual arcano resta quando a magia é só dano adicional?

O que se vê é o oposto do prometido. A ampliação do repertório se deu por enxugamento temático. As escolas de magia se diluem. O Feiticeiro parece um Mago carismático. O Clérigo conjura Dissipar Magia. O Bruxo virou um debuff ambulante. O Guerreiro é, tecnicamente, um pistoleiro.

Essa convergência não é coesão — é colapso.

Não se trata de erro mecânico. Trata-se de falha simbólica. Um novo cânone arcano se desenha, mas não como reinvenção — e sim como repetição de fórmulas, polimento de bordas, perda de singularidade. É como se cada subclasse estivesse sendo redesenhada não para contar novas histórias, mas para caber melhor nas fontes de regras. Como se o jogo estivesse tentando agradar as fichas de personagem antes de agradar às mesas.

A pergunta que resta

Eu insisto em lembrar, como um teimoso e prepotente que sou, que estamos diante de um material de playtest. Ainda há tempo para ajustes. Ainda há espaço para voz. A própria WotC afirma “ler cada palavra de feedback enviado”. Talvez leiam esta.

Mas a pergunta que paira é estrutural: é sustentável essa forma de design acelerado, com trocas sucessivas de equipe, reaproveitamento de conteúdo e perda de identidade narrativa?

Se não for — e tudo indica que não é — o D&D 2025 corre o risco de nascer velho. Nascido da repetição, afogado num Excel, órfão dos fantasmas que lhe davam cor.

O post UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica foi escrito pelo Artifício RPG, especialista em conteúdo de RPG em Português!

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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!
PDF das subclasses arcanas 2025 traduzido. Um mergulho crítico nos novos arquétipos da Unearthed Arcana e seus vazaios simbólicos.
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UA Subclasses Arcanas 2025 — PDF Traduzido e Análise Crítica (Artifício RPG), RPG - Mestre Charles Corrêa

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Charles Corrêa
Charles Corrêa

Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas "Overmix" ou "Nandivh", é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.

No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.

Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.

Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.

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