Nova Portaria de Classificação pode Impactar RPG (Artifício RPG)

Nova Portaria de Classificação pode Impactar RPG (Artifício RPG)

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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!

Foi publicada no Diário Oficial da União, edição nº 73, de 16 de abril de 2025, o Ministério da Justiça abriu uma consulta pública para a proposta de nova Portaria da Política de Classificação Indicativa, como uma portaria de classificação prévia para RPG, publicada no Diário Oficial da União em 16 de abril de 2025. Pela primeira vez, o texto propõe um rito formal para obras impressas e digitais de jogos de interpretação de personagens — exigindo análise prévia, selo etário e submissão no sistema ClassInd. A proposta preocupa editoras independentes, autores e organizadores de eventos, e pode impactar diretamente a produção e a venda de RPGs no país.

Consulta Pública: Risco Real ou Alarme Falso?

A minuta propõe que os RPGs passem a seguir um rito obrigatório de análise classificatória prévia, mais detalhado que o previsto na Portaria de Classificação nº 502/2021, ainda em vigor. Até então, obras poderiam se basear em autoclassificação, e o envio da ficha técnica padrão, sinopse e protótipo da obra era suficiente para obter o parecer em até 45 dias. Na proposta atual, o conteúdo precisa estar finalizado no momento do protocolo, com o envio obrigatório da cópia integral e da sinopse detalhada já na submissão — prática que tende a postergar o início de vendas ou pré-vendas.

A minuta apresenta, na Seção IX – Dos Jogos de Interpretação de Personagens (RPG), os critérios específicos no Art. 49, que determina que “os jogos de interpretação de personagens disponibilizados no Brasil, em versão impressa ou digital, estão sujeitos à análise prévia”. O requerimento deve ser feito por peticionamento eletrônico no Sistema ClassInd, com a inclusão obrigatória de:

I – sinopse detalhada da obra;
II – cópia integral do jogo.

O §2º do Art. 49 esclarece que, caso solicitado pela Coordenação de Política de Classificação Indicativa, o jogo deverá ser enviado exatamente no formato em que será disponibilizado ao público, com o objetivo de permitir a verificação de conformidade entre o material analisado e o produto final.

Um ponto sensível da minuta é o escalonamento dos prazos de análise, detalhado no Art. 73, conforme o número de páginas da obra. A portaria de classificação anterior (MJ nº 1.100/2006) previa prazo uniforme, enquanto o novo texto estabelece categorias: 30 dias para até 50 páginas; 45 dias para até 150; 60 dias para até 300; e até 120 dias para obras com mais de 300 páginas. O Art. 74 ainda autoriza a prorrogação automática desses prazos em até 100% em casos de “alta demanda”.

Embora ainda esteja em fase de consulta pública, a minuta preocupa segmentos do mercado editorial e da produção cultural. Segundo análises precedentes, propostas submetidas à consulta tendem a ser aprovadas com alterações marginais — como ocorreu com a Portaria de classificação nº 502/2021, publicada 33 dias após o fim do período de comentários. A sociedade civil, editoras e autores podem enviar sugestões até 15 de junho, pelo portal Participa + Brasil.

Há divergências sobre a urgência da mobilização. Parte dos criadores de conteúdo argumenta que só haveria motivo para mobilização diante de um projeto de lei em tramitação no Congresso. Outros destacam que a inclusão de RPGs na Classificação Indicativa formaliza e amplia uma política já prevista desde 2021, mas agora com rito completo e exigências operacionais. A classificação segue os parâmetros descritos no Guia Prático de Classificação Indicativa, como a presença de violência, uso de drogas, conteúdo sexual ou linguagem imprópria — agora aplicáveis também a manuais de regras e suplementos.

Valor jurídico da consulta pública e da Portaria

Portarias ministeriais são atos normativos infralegais, válidos no âmbito da Administração Pública, e entram em vigor imediatamente após a assinatura do ministro e sua publicação no Diário Oficial da União. A atual consulta pública, disponível no Participa + Brasil, não é vinculante: o Ministério da Justiça pode acolher, modificar ou ignorar totalmente as sugestões enviadas. Apesar disso, a Portaria de classificação nº 502/2021 foi publicada com mais de 98% de similaridade em relação ao texto colocado em consulta pública, o que evidencia o peso prático da participação precoce.

Por que talvez valha agir já — mesmo sem força vinculante

A experiência recente mostra que consultas públicas, embora não vinculantes, moldam diretamente normas executivas. A Portaria de classificação 502/2021 foi publicada praticamente idêntica à minuta original, apesar de ter recebido menos de 200 contribuições. Há ainda o chamado efeito cascata: portarias muitas vezes servem de base para projetos de lei subsequentes, como ocorreu com o PL 2630/2020 (“Lei das Fake News”), que reproduziu elementos de uma minuta da Senacom em 2019. Outro fator relevante é o lobby técnico não público: grandes empresas enviam análises jurídicas completas, sem visibilidade pública, influenciando o texto final. Em paralelo, uma vez assinada, a portaria de classificação entra em vigor e seu descumprimento sujeita editoras e autores às sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especialmente nos artigos 252 a 254.

Explicação aprofundada

Linha do tempo regulatória

Linha do tempo regulatória
1990 — O art. 74 do ECA estabelece a obrigação do Estado de regular “diversões e espetáculos públicos”, incluindo a imposição de critérios de faixa etária.
2001 — A Lei nº 10.359/2001 amplia o escopo da classificação para alcançar qualquer suporte, inclusive mídias digitais.
2011 — A Lei nº 12.485/2011 regula serviços de vídeo sob demanda (VOD), consolidando a ideia de que conteúdo digital distribuído individualmente também deve ser classificado.
2021 — A Portaria MJSP nº 502/2021 menciona os “livros de RPG” pela primeira vez, mas sem estabelecer rito processual específico.
2025 — A minuta da nova Portaria (Edital nº 1/2025), atualmente em consulta pública, dedica a Seção IX a um rito completo exclusivo para RPGs — impresso ou digital.

Prazos vs. cadeia produtiva

O Art. 73-IV da minuta estabelece prazo de 120 dias corridos para análise classificatória de obras com mais de 300 páginas. Já o Art. 74 autoriza a prorrogação automática de até 100% do prazo original, “em caso de alta demanda”, sem definição objetiva desse critério.

O Livro do Jogador de Dungeons & Dragons 5ª edição (Galápagos) possui 352 páginas, e o Core Rulebook de Pathfinder 2ª edição (Devir) chega a 640 páginas. Ambos se enquadrariam no maior escalão de prazos da minuta. Na pior hipótese — com prorrogação total prevista no Art. 74 — o processo pode levar até 240 dias corridos. Em campanhas de financiamento coletivo, a promessa de “entrega do PDF em até 30 dias” é um fator central de confiança. Um atraso dessa magnitude compromete a credibilidade e reduz drasticamente a taxa de retorno de apoiadores recorrentes.

Custos invisíveis, contados no lápis

Embora a minuta não imponha taxa de protocolo, o processo exige adequações técnicas e jurídicas com custo médio estimado de até R$ 3 mil por título, especialmente para editoras independentes.

Item Valor médio (2025) Fonte
e-CPF A1 (pessoa física) R$ 250/ano Autoridade de Certificação CEC
Conversão para PDF/A R$ 200 Orçamento gráfico AlphaEdit
Relayout de capa com selo R$ 600–1.200 Tabela média ABRAeD 2025
Parecer jurídico e sinopse R$ 1.000 Consulta com advogado de PI e TI

Mobilização “prematura” × custo de inércia

Críticos da mobilização antecipada apontam que diversas consultas públicas terminam arquivadas, como ocorreu com a minuta de 2022 sobre a classificação indicativa para streamers, que nunca foi convertida em portaria de classificação. No entanto, quando a proposta avança, o ritmo costuma ser célere: a Portaria MJSP nº 502/2021 foi assinada 33 dias após o encerramento da consulta, sem necessidade de audiência pública adicional.

Por que, então, agir agora? Porque a Portaria de classificaçãoé um ato administrativo normativo, que não depende de tramitação no Congresso Nacional. Basta a assinatura do Ministro da Justiça e sua publicação no Diário Oficial da União para que entre em vigor. Caso a norma seja publicada em julho, ela já terá força executiva em agosto. O descumprimento da exigência de classificação indicativa pode configurar infrações previstas nos arts. 252 a 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preveem sanções administrativas e apreensão de materiais.

O argumento “só mobiliza se houver proibição”

Um argumento recorrente em setores de board game é que não haveria motivo para mobilização, já que a minuta não proíbe conteúdos, apenas os submete à classificação indicativa. No entanto, a exigência de aprovação prévia antes da veiculação ou venda funciona, na prática, como um filtro burocrático. Se o prazo máximo previsto — até 240 dias, com prorrogação — se concretizar, o impacto é o da chamada censura econômica: a obra não é vetada, mas sua circulação é inviabilizada por atraso administrativo.

Quem ganha se ninguém comenta sobre a Portaria de Classificação?

Se não houver mobilização durante a consulta pública, o cenário tende a favorecer os agentes com maior capacidade financeira e jurídica. Editoras licenciadas de grande porte, como Galápagos e Devir, têm estrutura para absorver prazos e custos. Plataformas estrangeiras como a DMs Guild (onde abordamos no Guia de Direitos Autorais) continuam operando fora do alcance da Portaria de classificação, pois hospedam seus conteúdos no exterior. Enquanto isso, o chamado “mercado cinza” se expande: jogadores adquirem PDFs importados sem tributação local. Já os criadores independentes formalizados enfrentam custos fixos, riscos de atraso e perda de apoiadores — cenário que desincentiva a regularização e reduz a base tributária nacional.

Checklist prático de comentário (problema → impacto → proposta)

  1. Art. 2º, XI — O conceito de “jogo de interpretação de personagens” inclui indiscriminadamente mídias impressas e digitais, sem distinguir livros de streaming.
    Impacto: obriga manuais técnicos, sem conteúdo narrativo, a seguir o mesmo rito aplicado a vídeos com representação violenta.
    Proposta: dividir em dois incisos: “publicação textual (livros, suplementos)” e “obra audiovisual (streamings, VTT)”.
  2. Art. 13 (caput) — Exige selo etário visível “antes e durante” a disponibilização de PDFs.
    Impacto: tecnicamente inviável em muitos leitores de PDF e altera o layout gráfico.
    Proposta: limitar exigência ao selo na capa do arquivo e na página de venda digital.
  3. Art. 49 — Obriga sinopse detalhada para qualquer RPG, inclusive suplementos puramente mecânicos.
    Impacto: trabalho jurídico desnecessário para materiais 90% compostos por estatísticas.
    Proposta: dispensar sinopse para suplementos com predominância estatística ou sem narrativa embutida.

Caminho normativo: da minuta ao efeito de lei

  • Fase 0 — Minuta em consulta pública (situação atual).
  • Fase 1 — Publicação da Portaria final, por assinatura do Ministro da Justiça e publicação no DOU.
  • Fase 2 — O Congresso pode apresentar um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para tentar sustar os efeitos da norma, caso haja pressão política suficiente.
  • Fase 3 — Se a Senajus quiser consolidar o rito, pode encaminhar um projeto de lei convertendo a Portaria em norma legal. Nesta fase, a possibilidade de alteração é reduzida.

O tempo entre a Fase 0 e a Fase 1 costuma ser curto: a Portaria 502/2021 foi publicada 33 dias após o fim da consulta. A adoção de um PDL depende de mobilização pública e percepção de dano — sem isso, dificilmente há reação parlamentar.

A Consulta Pública da Portaria de Classificação

Consulta pública pode parecer “ensaio sem plateia”, embora sem efeito jurídico obrigatório, é o momento decisivo para influenciar a redação de uma portaria de classificaçãoque, uma vez assinada, entra em vigor com força executiva imediata. A ausência de participação durante essa fase pode resultar em normas desproporcionais ao porte de pequenos agentes econômicos. No caso de microeditoras, custos não previstos podem inviabilizar projetos. Conforme o histórico da Portaria nº 502/2021, a maior parte do texto colocado em consulta foi mantida na versão final. Intervir agora é a única forma de ajustar a proposta enquanto ela ainda é modificável.

Problemáticas

Consulta pública não é lei — mas Portaria de Classificação vira regra em ato único

A consulta pública aberta em 16 de abril de 2025, disponível no Participa + Brasil, terá 60 dias para contribuições. Como previsto na norma administrativa brasileira, esse procedimento não é vinculante: o Ministério da Justiça pode aceitar, modificar ou descartar qualquer sugestão. Caso a minuta seja aprovada internamente, a assinatura do ministro transforma o texto em Portaria normativa infralegal, dispensando deliberação no Congresso. A norma entra em vigor na data de publicação no Diário Oficial da União, e seu descumprimento pode acarretar sanções previstas nos arts. 252 a 254 do ECA. Foi exatamente o que ocorreu com a Portaria nº 502/2021, publicada apenas 33 dias após o fim de sua consulta, com mínimas alterações.

“Só mobilizar quando virar projeto de lei” — objeções e riscos práticos

Entre editores de médio porte e parte da comunidade jurídica circula o argumento de que “vale reagir apenas quando surgir projeto de lei”. Ele se ancora em duas premissas:

  1. Portarias são facilmente revogáveis e que muitas consultas públicas terminam arquivadas.
  2. Muitas consultas morrem — exemplo citado: minuta de classificação para streamers, divulgada em 2022, que nunca foi promulgada.

No entanto, o histórico recente da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) mostra o oposto: a maioria das consultas resulta em portarias válidas, a menos que enfrentem resistência interministerial ou oposição econômica expressiva. Após publicada, a única via formal de reversão é um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), cujo trâmite é raro quando o tema não alcança forte repercussão pública. Adiar a mobilização significa, na prática, tentar revogar a norma depois que ela já regula o setor.

Valor jurídico da Portaria de Classificação e o fenômeno “censura pelo atraso”

Portarias, embora normas infralegais, têm caráter imediatamente vinculante dentro da esfera administrativa federal. No caso da minuta sob consulta, a exigência de classificação prévia pode impor prazos de 30 a 120 dias, com possibilidade de prorrogação de até 100% em caso de “alta demanda” (Art. 73–74). Mesmo sem censura de conteúdo, essa exigência funciona como um obstáculo econômico à circulação, o que, no direito comparado, é chamado de censura indireta ou censura pelo atraso. No contexto dos RPGs financiados via financiamento coletivo, nos quais a entrega do PDF é prometida em 30 a 60 dias, o atraso do carimbo pode inviabilizar cronogramas e comprometer a confiança do público apoiador.

Prazos escalonados e prorrogação automática

A minuta da nova Portaria de classificação estabelece, no Art. 73, uma matriz de prazos progressivos para a análise classificatória de obras conforme sua extensão:

Extensão da obra Prazo máximo de análise Dispositivo legal
até 50 páginas 30 dias corridos Art. 73-I
51 a 150 páginas 45 dias corridos Art. 73-II
151 a 300 páginas 60 dias corridos Art. 73-III
mais de 300 páginas 120 dias corridos Art. 73-IV

O Art. 74 permite a prorrogação de qualquer desses prazos por mais 100%, mediante justificativa de “alta demanda”. Contudo, o texto não define critérios objetivos para caracterizar essa demanda, nem limita a frequência de prorrogações. Em períodos com concentração de lançamentos — como encerramentos de campanhas de financiamento coletivo — esse vácuo regulatório pode levar à prorrogação automática e sistemática.

Definição vaga de “jogo de interpretação de personagens”

O Art. 2.º, inciso XI da minuta define RPG como “jogo de interpretação de personagens, físico ou digital”, sem distinguir entre suportes ou formatos. A definição abrange tanto publicações textuais (como livros de regras, suplementos e bestiários) quanto produções audiovisuais (como streams de mesas ou videoaulas). Essa ambiguidade arrasta livros puramente mecânicos, sem narrativa, para o mesmo rito aplicado a produtos que exibem violência gráfica em tela. Com isso, manuais com 352 páginas de estatísticas podem ser submetidos ao mesmo rito de análise de um conteúdo com violência gráfica em tela — criando um problema de proporcionalidade regulatória e insegurança jurídica para o setor editorial.

Descritores genéricos e salto de faixa etária

O formulário de classificação usa descritores herdados de cinema já consolidados no Guia Prático de Classificação Indicativa: violência, drogas, sexo, medo e linguagem imprópria. Contudo, não há categoria específica para “violência fantástica” ou “terror mítico”, comuns em ambientações de RPG. Na ausência desses filtros, avaliadores podem interpretar combates contra criaturas fictícias como violência realista, aplicando por precaução classificações 16+ a conteúdos que, em outros países, recebem 12+. É o caso de Dungeons & Dragons, que na Europa recebe essa faixa etária por meio do descritor “Cartoon Violence” do PEGI, reduzindo barreiras em eventos educacionais, bibliotecas e escolas — o que não ocorre no sistema brasileiro atual.

Custos fixos invisíveis ao microempreendedor

Embora a minuta não imponha taxa de protocolo, ela exige etapas técnicas e documentais que resultam em custo indireto significativo. São necessários:

  • Certificado digital e-CPF A1 (ICP-Brasil), para assinatura da petição — custo médio: R$ 250/ano;
  • Conversão do arquivo final para PDF/A, padrão exigido por órgãos públicos — ≈ R$ 200 por arquivo, via software ou gráfica;
  • Relayout de capa para inclusão do selo etário em contraste e posição adequados — R$ 600 a R$ 1.200, segundo tabela de 2025 da ABRAeD;
  • Parecer jurídico para descrição técnica dos conteúdos e atribuição dos descritores — R$ 1.000, com profissional especializado em propriedade intelectual.

O custo total estimado gira em torno de ≈ R$ 3 000 por título — consome 10 % de um financiamento coletivo comum de R$ 30 000. Para projetos maiores, o impacto é absorvível. Já para criadores independentes, especialmente de zines financiados abaixo de R$ 3.000, o rito pode inviabilizar a publicação formal, empurrando parte do setor para a informalidade — justamente o oposto do que a política pública pretende atingir.

Conflito com contratos de licenciamento internacional

Diversos contratos de licenciamento com editoras estrangeiras — como Hasbro (D&D), Paizo (Pathfinder) e Chaosium (Call of Cthulhu) — incluem cláusulas de “janela de lançamento simultâneo”, exigindo que a versão localizada chegue ao mercado brasileiro em até 60 a 90 dias após o lançamento internacional. Com a minuta da nova Portaria prevendo até 120 dias de análise, prorrogáveis por mais 120 (Art. 74), uma editora brasileira pode acabar em violação contratual antes mesmo de iniciar as vendas. Em títulos com royalties em dólar, essa defasagem arruína margens antes do primeiro exemplar sair da gráfica.

Aplicabilidade em plataformas estrangeiras e desincentivo à formalização

Obras vendidas por brasileiros em plataformas como a DMs Guild ou a DriveThruRPG, ambas operadas fora do Brasil, não são diretamente alcançadas pela Portaria. Contudo, conforme o princípio da territorialidade, o MJSP exige classificação para qualquer conteúdo “disponibilizado ao público brasileiro” (Portaria nº 502/2021, art. 2º). Na prática, um autor nacional teria que solicitar a remoção da oferta para o território brasileiro. Isso, porém, implica perder audiência local, enquanto compradores bilíngues continuam acessando a versão original — sem carimbo. O efeito colateral: importado ganha competitividade, o Estado arrecada menos e o autor nacional opta pela informalidade ou pela evasão.

Burocracia como filtro de mercado — quem se beneficia?

Agente Efeito provável Benefício
Grandes editoras Custos absorvidos; menos competição indie Proteção de mercado
Marketplaces estrangeiros Vendem sem selo; usuários migram para original Receita em dólar
Microeditoras formais Atraso & custos extras; risco de quebra
Microeditoras informais Seguem lançando sem selo; risco de autuação Aparente economia, mas insegurança

A equação é clara: sem diferenciar escalas, o modelo atual da minuta atua como um filtro que favorece os grandes e estrangula os pequenos. Editoras consolidadas absorvem o custo e ajustam cronogramas; microeditoras formais assumem o risco fiscal com margens mínimas; já o criador informal segue publicando, à margem da lei, até ser notificado. A consequência direta: concentração de mercado e retração do ecossistema indie.

Fiscalização: papel do Procon e do MP

A minuta da Portaria não define sanções específicas, mas a ausência de classificação prévia é enquadrada nos artigos 252 a 254 do ECA, que preveem advertência, multa e até apreensão de obras irregulares. A fiscalização recai sobre os Procons estaduais e o Ministério Público, a depender da esfera da infração. Casos semelhantes ocorreram com jogos eletrônicos: apreensões físicas em lojas e remoções por notificação no ambiente digital. Resultado provável: lojistas evitam estocar títulos sem carimbo, dificultando ainda mais a entrada de indies que não conseguem cumprir o rito a tempo.

No entanto, a eficácia da fiscalização sistemática é vista com ceticismo entre produtores independentes, especialmente aqueles que operam sob demanda — sem tiragens fixas, sem distribuição em livrarias, sem estoque acessível a auditorias por amostragem. Nesse modelo, a ausência de ponto fixo e a impressão sob encomenda dificultam qualquer ação contínua de repressão. O temor, na prática, recai menos sobre o varejo digital pulverizado e mais sobre os eventos físicos. Segundo um produtor do circuito independente, a imposição do selo em feiras como o DOFF (Diversão Offline) poderia “avacalhar a alley toda”, referindo-se à área dedicada a autores menores. Em um cenário onde a fiscalização se ativa de forma abrupta ou exemplar — mesmo que rara —, a insegurança tende a recair de forma desproporcional sobre os pequenos, que não têm estrutura para se adequar com antecedência ou reagir juridicamente no curto prazo.

Interesses governamentais no setor de RPG

As justificativas governamentais para o novo rito incluem:

  • Proteção infantojuvenil — a Senajus cita, em documentos internos e entrevistas, o “crescimento de mesas virtuais durante a pandemia” e a exposição contínua a narrativas violentas como motivos para ampliar a classificação.
  • Atualização tecnológica — a proposta reconhece o uso de VTTs (Virtual Table Tops) e actual plays como “novas linguagens digitais”, exigindo padronização de critérios.
  • Captação de dados culturais — com a submissão obrigatória via ClassInd, o governo forma um banco de dados cultural sobre obras nacionais — útil tanto para políticas públicas quanto para regulação futura.
  • Alinhamento internacional — o Brasil aderiu, em 2024, ao modelo de “regulação responsiva” da OCDE (ver OECD Regulatory Policy Outlook), que recomenda ajustes contínuos em normas com base no comportamento do mercado.

Mesmo legítimos, tais objetivos colidem com a dinâmica artesanal do RPG, dependente de velocidade de publicação e baixo custo inicial.

O dilema da mobilização prematura

O argumento de que “só se mobiliza diante de proibição explícita” ignora o mecanismo de path dependence que rege o ciclo regulatório brasileiro: portarias funcionam como jurisprudência administrativa e moldam o vocabulário técnico que será reaproveitado em futuras leis. Exemplo disso é o PL 2630/2020 (“Lei das Fake News”), baseado em uma minuta de portaria colocada em consulta pública em 2019. Quem comenta cedo influencia termos, descritores e prazos. Quem espera o projeto de lei, encontra um cenário já definido, respaldado por meses de documentação colhida via Sistema ClassInd. Em linguagem de RPG, comentar agora equivale a rolar o teste de iniciativa: você age antes da burocracia desenhar todo o mapa do combate.

Cenário de inércia: efeito dominó em 2026–2027

Se aprovada sem ajustes, a nova portaria pode gerar um gargalo regulatório. Obras com mais de 300 páginas terão até 240 dias de análise, conforme o Art. 74 da minuta. Nesse cenário:

  • Microeditoras acumulam atrasos e perdem a confiança de apoiadores recorrentes.
  • Tradutores e diagramadores só recebem após o “carimbo”, gerando migração para freelas internacionais.
  • Lojas priorizam títulos importados, que não exigem classificação no Brasil, e o Estado perde arrecadação.
  • Escolas e projetos educacionais deixam de adotar RPGs sem classificação oficial, mesmo que gratuitos, por insegurança jurídica. O material é substituído por mídias previamente classificadas, como games e quadrinhos.

Cenário de intervenção: ganhos possíveis

  • Um rito simplificado para obras curtas (ex: ≤ 80 páginas), com análise em até 15 dias, poderia ser viável tecnicamente e reduzir barreiras de entrada para criadores independentes.
  • A criação de um descritor específico como “Violência Fantástica” — nos moldes do PEGI europeu
  • evitaria classificações 16+ em bestiários e suplementos narrativos, ampliando o alcance escolar e juvenil.
  • Adoção de um prazo padrão de 90 dias, prorrogável por até 50%, alinharia o processo com práticas da Ancine na análise de roteiros e editais.
  • A dispensa de e-CPF para MEIs que atuem como autores autodeclarados em tiragens pequenas incentivaria a formalização de zineiros e editoras de nicho.

Famoso “ou seja’

A consulta pública não cria obrigação jurídica por si só, mas funciona como funil regulatório: é neste estágio que se define o que entrará no texto normativo final. O argumento de que “nada é vinculante” ignora o histórico recente — como a Portaria 502/2021, que foi publicada praticamente inalterada após a consulta. Sem reação, o ônus da nova burocracia recai sobre os pequenos, enquanto as editoras maiores têm fôlego financeiro e jurídico para adaptar cronogramas e absorver custos. Mobilizar-se agora não garante vitória, mas reduz a assimetria de informação e abre espaço para incluir salvaguardas. Em termos econômicos, a ausência de censura explícita não impede a ocorrência de censura indireta — via custo, via atraso, via insegurança. Intervir agora custa menos do que reverter depois.

O que fazer agora – e por que manter o radar ligado

Onde estamos

  • Minuta em consulta. Desde 16 de abril de 2025, o Ministério da Justiça e Segurança Pública mantém aberta, por meio do portal Participa + Brasil, a consulta pública sobre a proposta de nova Portaria da Classificação Indicativa. Pela primeira vez, o texto dedica uma seção específica — Seção IX — aos “jogos de interpretação de personagens”, prevendo rito classificatório obrigatório para obras impressas ou digitais. O prazo para comentários vai até 15 de junho.
  • Valor jurídico futuro. A consulta pública não tem caráter vinculante: o Ministério da Justiça pode aceitar, rejeitar ou ignorar sugestões sem qualquer obrigação legal. No entanto, uma vez assinada pelo ministro, a portaria entra em vigor imediatamente após sua publicação no Diário Oficial da União. Foi o que ocorreu com a Portaria MJSP nº 502/2021, que foi publicada 33 dias após o fim da consulta pública, praticamente inalterada.
  • Primeiro impacto concreto. A minuta exige que autores e editoras submetam sinopse detalhada e cópia integral da obra antes da publicação — incluindo no caso de obras digitais. Não há cobrança de taxa governamental, mas o processo requer o uso de e-CPF A1 para assinar o protocolo eletrônico, com custo inicial a partir de R$ 160,20 (valor médio de mercado em 2025). Isso impacta diretamente projetos com pré-venda ou crowdfunding planejado para ocorrer antes da análise.

O que precisa ser feito — nível de atenção “amarelo”

Quando Ação prática Por quê
Já (até 15 jun) Comente a minuta — especialmente o Art. 2.º XI, e os Arts. 73–74. Cada comentário obriga resposta no relatório final do MJSP; poucos comentários têm alto peso estatístico.
Agora Baixe e salve o PDF da minuta. Garante comparação futura caso o texto final sofra alterações sem aviso.
Antes de lançar Preveja folga de 90 dias no cronograma. Mesmo que a Portaria demore, apoiadores verão um planejamento realista.
Ao precificar Inclua o custo do e-CPF no orçamento anual. Sem certificado digital, não é possível assinar e protocolar o pedido eletrônico.

Nota sobre a urgência. Não há proibição de conteúdo nem aplicação de sanções imediatas a partir da data da consulta (16 de abril). O risco é regulatório e logístico: se a Portaria for publicada sem alterações, a exigência de classificação entra em vigor na data da publicação no DOU, afetando projetos em fase final de produção ou pré-venda, sem tempo hábil para adequação.

Como comentar

  1. Acesse sua conta no Gov.br (nível prata ou ouro).
  2. Vá até a página oficial da consulta pública e clique sobre qualquer parágrafo do texto. Vai aparecer a opção Nova Portaria de Classificação pode Impactar RPG (Artifício RPG) - RPG - Role Playing Game “adicionar comentário”.
  3. Cole uma sugestão enxuta, no modelo clássico: Problema → Impacto → Proposta.
  4. Clique Salvar e capture a tela — seu protocolo fica registrado nos servidores do MJSP.
  • Problema: O prazo de 120 dias previsto no Art. 73-IV inviabiliza lançamentos simultâneos com editoras estrangeiras.
  • Impacto: Atrasos levam a quebras contratuais e pedidos de estorno em campanhas de financiamento coletivo.
  • Proposta: Limitar o prazo a 90 dias, com prorrogação de no máximo 50%, mediante justificativa técnica publicada.

Explicação aprofundada (por que vigiar sem alarde)

Ponto crítico da minuta Possível efeito Nível de incerteza*
Prazos (Art. 73) Atraso na entrega de PDFs prometidos; descumprimento de cláusulas internacionais. Médio – Minuta permite prorrogação total sem critério claro.
Definição única de RPG (Art. 2º, XI) Manual técnico e stream de mesa são tratados da mesma forma. Alto – Pode ser ajustado com segmentação entre mídias.
Obrigatoriedade de selo visível (Art. 13) Custo gráfico e dificuldade de aplicação em VTTs e PDFs. Médio – Manual técnico pode esclarecer; hoje é vago.
Exigência de e-CPF Barreiras a zineiros e MEIs sem acesso a certificação digital. Baixo – Exigência consolidada em processos no MJSP.

Nota:
*Incerteza = chance de o ponto ser alterado na versão final da Portaria, com base em precedentes de participação pública.

Se a comunidade participar:

  • Pode ser incluído um rito simplificado para obras curtas (ex: até 80 páginas, com análise em 15 dias).
  • Maior chance de o texto distinguir entre conteúdo textual e audiovisual (ex: stream vs. livro de regras).
  • Manual técnico posterior pode indicar onde exibir o selo em PDF/VTT.

Se poucos comentarem:

  • A minuta tende a virar Portaria quase intacta.
  • Editoras grandes absorvem o impacto; microeditoras pausam projetos ou migram para o mercado cinza.
  • Parte da produção migra para plataformas estrangeiras como DMs Guild ou DriveThruRPG, sem classificação — e sem arrecadação nacional.

O Detector de Fumaça

Não é hora de gritar “incêndio!”, mas sim de verificar se o detector está funcionando. Há uma minuta oficial que, pela primeira vez, coloca livros de RPG — físicos e digitais — sob rito formal de Classificação Indicativa. Até 15 de junho, qualquer cidadão pode sugerir ajustes no texto com um comentário de três linhas. Depois disso, o texto entra no Diário Oficial. A história recente (como a Portaria 502/2021) mostra que Portarias tendem a sair quase iguais às minutas. Gastar cinco minutos agora pode evitar cinco meses de retrabalho — ou cinco mil reais em assessoria jurídica depois.

Resumo na prática — turno de ação livre:

Quer publicar rápido? Comente sobre os prazos da minuta (Art. 73), proponha limites mais curtos ou rito simplificado para obras curtas.
Só faz zine gratuito? Baixe a minuta, monitore o texto final e registre seu custo técnico real — sua experiência é argumento de impacto.
Indeciso? Comentar custa minutos; o silêncio pode custar um ciclo inteiro de publicação.

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O post Nova Portaria de Classificação pode Impactar RPG foi escrito pelo Artifício RPG, especialista em conteúdo de RPG em Português!

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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!
Foi publicada no Diário Oficial da União, edição nº 73, de 16 de abril de 2025, o Ministério da Justiça abriu uma consulta pública para a proposta de nova Portaria da Política de Classificação Indicativa, como uma portaria de classificação prévia para RPG, publicada no Diário Oficial da União em…
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Nova Portaria de Classificação pode Impactar RPG (Artifício RPG) - RPG - Role Playing Game

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Charles Corrêa

Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas "Overmix" ou "Nandivh", é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.

No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.

Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.

Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.

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