Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!
Rafael Mendes, figura importante no cenário do Castles & Crusades no Brasil, enxerga no RPG algo que vai além de um simples jogo ou passatempo juvenil. Para ele, trata-se de um terreno compartilhado onde gerações distantes se encontram, onde narrativas clássicas ganham novas formas, e onde a cultura medieval dialoga com o design de jogo contemporâneo, reunidos em um mesmo sistema. Enquanto alguns ainda chamam o RPG de entretenimento passageiro, Rafael e o Castles & Crusades revelam seu potencial como espaço de encontro entre passado e presente, tradição e renovação.
Rafael Mendes, conhecido como Mestre Rufus, não apenas acredita nessa segunda visão: ele a vive todos os dias. Community Manager da Aithos Editora e host do podcast Contar e Mestrar, Rafael emergiu no cenário brasileiro como uma voz que busca integrar comunidade, narrativa e história editorial. Seu mais recente desafio é a tradução e publicação brasileira de Castles & Crusades, onde abordamos em uma análise completa (clique aqui para saber sobre tudo do financiamento) , um sistema clássico, com raízes nos primórdios do D&D, mas que permanece ativo e renovado até hoje pela Troll Lord Games.
Um Projeto Chamado Castles & Crusades
Quando se fala em trazer sistemas de RPG clássicos para o Brasil, a primeira imagem costuma ser a de um resgate nostálgico, uma volta às raízes de um hobby que atravessou gerações. Mas no caso da Aithos a, o ponto de partida foi outro: um brainstorming despretensioso, quase trivial, que no meio do silêncio revelou o que hoje movimenta uma comunidade inteira.
Rafael relembra o momento: “A gente sentou um dia para conversar e, tipo, vamos falar do que a gente pode trazer. E aí brainstorm vem, brainstorm vai… Sabe aquela reunião que a gente conversa, conversa, conversa, e não sai nada? Meia hora depois da reunião, o Alan [Rozante, fundador da Macaco Dumal, que viria a se tornar a Aithos] manda assim pra mim: ‘Rafa, achei o jogo.’”
O jogo era Castles & Crusades, publicado lá fora pela Troll Lord Games. Um sistema que Rafael admite que não conhecia até aquele momento. Mas bastou a primeira leitura para perceber que ali havia algo especial, um elo perdido entre a primeira edição do D&D e a necessidade moderna de um jogo heroico, sem cair na caricatura super-heroica.
O passo seguinte foi o contato com os criadores. E aqui a história ganha um tom que escapa do mero contrato editorial. Segundo Rafael, a Troll Lord Games ficou “extremamente empolgada” com a possibilidade de levar seu material ao Brasil. O que era para ser uma licença simples dos três livros básicos — Player’s Handbook, Monsters & Treasure e Castle Keeper’s Guide — evoluiu para a aquisição da linha completa. São, ao todo, mais de 180 suplementos publicados desde a fundação da Troll Lord, todos agora sob responsabilidade da Aithos no Brasil.
A Travessia da OGL e o Reforged
A trajetória recente de Castles & Crusades é indissociável do episódio conhecido como OGL Gate (onde o Arddhu detalhou perfeitamente neste vídeo), quando, em 2022, a Wizards of the Coast tentou alterar unilateralmente a Open Game License (OGL) do D&D. Em resposta, a Troll Lord Games reavaliou as bases legais do seu sistema e optou por uma revisão completa, que originou a chamada Reforged Edition. Essa nova versão não apenas rompeu com a OGL, mas reafirmou a identidade própria do Castles & Crusades, tornando-o juridicamente independente e editorialmente coeso.
Rafael Mendes resume a mudança: “Eles entraram no modo que eles chamam de Reforged. Tanto é que o Castles tem uma edição e várias impressões. A gente tá na décima impressão, que é o chamado Reforged. É essa versão que a gente tá trazendo, a mais nova.”
A decisão da Aithos Editora foi direta: trazer sempre a edição mais recente e estável do jogo, evitando materiais defasados. Como reforça Rafael: “A gente não vai trazer o velho, vai trazer o Reforged. Sempre é a versão mais atualizada. E a gente quer trazer o máximo de coisa que der. O ideal é literalmente tudo.”
Entre o Financeiro e a Comunidade
O financiamento coletivo foi lançado com uma meta ousada: R$ 75 mil, que já está em 100% atualmente financiado na publicação da entrevista, para dois livros robustos, em capa dura, miolo couchê e impressão de qualidade. “São dois livros grandes. O Guia do Jogador tem quase 300 páginas, o Monstros & Tesouros tem um pouquinho mais de 300 páginas”, detalha Rafael.
Mas as metas extras revelam a verdadeira ambição do projeto: construir não apenas livros, mas confiança. Originalmente, a campanha previa a criação de um diorama físico — uma cidade inteira em miniatura, com casinhas, taverna e templo, onde cada meta batida adicionaria um novo elemento ao cenário. Mas a comunidade falou, e a Aithos ouviu. Atendendo aos pedidos dos apoiadores, a meta do diorama foi retirada, dando lugar ao que o grupo considerou mais urgente: a antecipação do Guia do Guardião do Castelo, que teve sua meta reduzida de R$ 150.000,00 para R$ 90.000,00. Da mesma forma, o valor do pacote físico dos livros principais caiu de R$ 399,00 para R$ 360,00 — não por estratégia comercial, mas por decisão compartilhada. É nesse gesto que o projeto revela sua verdadeira forma: uma construção coletiva, onde editor e jogadores erguem juntos o que desejam jogar.
Além disso, a campanha prevê aventuras escritas por membros da comunidade, entre eles o próprio Rafael, Alan, Ardhhu citado acima e Jefferson (do canal Dado Viciado). Segundo Rafael, isso é só o começo: “Podem ter um N”, referindo-se a novas aventuras que poderão ser adicionadas no futuro.
A proposta não é apenas editorial. É comunitária. Rafael deixa claro: “A gente quer formar a comunidade e dar suporte à comunidade. A gente preza por ter a comunidade com a gente e fazer a coisa do jeito certo com eles, sempre com transparência.”
A Herança de Gygax e a Construção de uma Comunidade
Falar sobre o Castles & Crusades é, inevitavelmente, mencionar Gary Gygax (cuja trajetória detalhamos aqui). Embora não tenha sido o criador do sistema, Gygax colaborou com a Troll Lord Games nos últimos anos de sua vida, deixando marcas profundas no desenvolvimento do jogo. Rafael Mendes resume essa influência ao afirmar: “Muitas das ideias dele sobre como o AD&D de 78 deveria ter evoluído, e que foram vetadas na TSR, se consubstanciaram no Castles. De fato, o velho Gygax teve lá, ele escreveu muito material sobre, ele orientou os irmãos Chenault e o Mac Golden sobre o jogo de maneira geral.”
Rafael descreve o Castles & Crusades com admiração, apontando-o como um sucessor espiritual do AD&D 1ª edição. Para ele, o sistema não é apenas um conjunto de regras ou livros ilustrados, mas um esforço consciente de recuperar um elo perdido na história do RPG. Esse elo não remonta apenas à primeira edição do Dungeons & Dragons, mas também à visão pessoal de Gygax sobre o futuro do hobby, que permaneceu incompleta após sua saída da TSR.
Contudo, Rafael não vê esse legado como um exercício de nostalgia vazia. Em sua leitura, trata-se de resgatar uma proposta de fantasia medieval idealizada — onde os personagens constroem castelos, templos e torres, e vivem aventuras heroicas sem cair nos estereótipos caricatos ou nas distorções super-heroicas dos RPGs modernos. Ele define: “É sociedade medieval fantástica idealizada.” Algo mais próximo do ducado de Toussaint em The Witcher do que das trevas ou da grandiosidade exagerada que dominam muitos sistemas contemporâneos.
Nesse sentido, o Castles & Crusades representa tanto uma continuidade quanto uma reconstrução. Um espaço onde a herança de Gygax não é um peso do passado, mas um convite à criação coletiva. Uma comunidade que constrói seus próprios castelos narrativos, partindo da base clássica, mas sempre com o olhar voltado para o futuro.
Castles & Crusades Como Sucessor Espiritual
Essa herança não se limita a homenagens ou resgates nostálgicos. A Reforged Edition marca mais do que uma atualização técnica: representa a consolidação de um legado que remonta à gênese do RPG moderno. O Castles & Crusades não surgiu como uma simples homenagem ao passado, mas como a continuidade prática de ideias que, nos anos 1970 e 1980, não puderam ser plenamente desenvolvidas por limitações editoriais e comerciais da época.
Nesse contexto, a versão Reforged ocupa um papel simbólico e prático: é o ponto em que o sistema se liberta das amarras legais da OGL e assume uma identidade própria, que dialoga com as raízes do AD&D 1ª edição sem se prender a elas. É essa independência que permite à Aithos Editora trazer ao Brasil uma linha editorial viva, com suporte contínuo e a proposta clara de construir uma comunidade em torno do jogo, e não apenas lançar livros avulsos.
Rafael Mendes sintetiza essa visão ao afirmar que o objetivo não é publicar pontualmente, mas sustentar um ecossistema duradouro: “A gente quer trazer o máximo de coisa que der. O ideal é literalmente tudo.” O Reforged, portanto, não representa um encerramento ou ruptura com o passado, mas um recomeço consciente, alinhado com o presente e voltado para o futuro da comunidade brasileira de RPG.
A Presença dos Autores e o Abraço da Comunidade Internacional
O entusiasmo não veio apenas da editora. Stephen Chenault, um dos autores, já manifestou o desejo de vir ao Brasil “tomar cerveja com a gente”. Rafael conta que participou anonimamente de lives da Troll Lord Games e foi acolhido pela comunidade internacional do jogo, que passou a interagir em português nos chats.
“Os caras me abraçaram na comunidade”, resume. Um abraço que agora ele quer replicar no Brasil, ampliando a taverna — metáfora que ele usaria mais adiante na conversa — onde jogadores de todas as gerações possam se sentar, beber e contar histórias.
Castles & Crusades: uma Visão romântica, não Arcaica
Ao discutir o espírito do Castles & Crusades, Rafael Mendes recusa a visão simplista de que o sistema seja apenas um retorno nostálgico. Segundo ele, o jogo é fundamentado no romantismo medieval, mas sem as amarras de um passado ultrapassado. “É romance de cavalaria. É nesse naipe que eles funcionam”, define. Essa inspiração literária perpassa todo o sistema, desde a construção dos arquétipos das classes até a linguagem do texto original, que em muitos momentos recorre ao inglês arcaico e à tradição oral europeia.
Rafael exemplifica: “O Bárbaro do Castles & Crusades não é baseado em fúria, ele é baseado em intimidação. Não é o cara que abre mão da racionalidade pra ganhar poder. É um cara rústico, que vive um estilo de vida mais simples.” Essa mudança de perspectiva afasta o jogo dos estereótipos popularizados pelo D&D e aproxima os personagens de uma construção mais humana e menos caricatural.
O mesmo vale para o Bardo, que não é apenas um mágico de palco com um alaúde na mão, mas um guerreiro-artista, um escaldo, que leva mensagens entre reinos e resolve conflitos com discurso ou com espada, conforme necessário. “É muito vinculado à oratória mesmo, discurso e canção. Não é o pantomimeiro de magia com violinha”, resume Rafael.
Clássico, mas sem ser Super-heróico
Há um cuidado ao destacar que, apesar da inspiração clássica, Castles & Crusades não pretende ser um jogo arcaico ou limitado. Rafael descreve a proposta como um RPG heróico, mas não super-heróico. Ele aponta uma lacuna no mercado brasileiro de fantasia medieval: de um lado, a oferta ampla de dark fantasy, e do outro, sistemas excessivamente cinematográficos, onde personagens assumem papéis de super-heróis.
“Hoje, se você sacudir uma árvore perto de uma loja de RPG, cai cinco livros de dark fantasy medieval”, brinca. Castles & Crusades, segundo ele, preenche o espaço do RPG clássico, que dialoga tanto com a geração que cresceu no AD&D quanto com novos jogadores que buscam uma fantasia heróica sem perder profundidade.
“É clássico sem ser arcaico”, diz, citando uma frase que surgiu numa conversa com o youtuber e criador do Runarcana, Gabriel Arddhu. O objetivo da linha é oferecer aos jogadores modernos o espírito dos RPGs da década de 1980, mas com regras fluidas, compatíveis com as expectativas atuais.
A Tradução como Arqueologia Cultural
Ao falar da tradução do Castles & Crusades, Rafael Mendes revela um processo que vai muito além da simples adaptação de termos: trata-se de escavar camadas culturais e literárias profundamente enraizadas no inglês arcaico e nas referências medievais que permeiam o texto original. Palavras e expressões fora de uso comum obrigaram a equipe a recorrer a dicionários especializados, inclusive de teatro shakespeariano e etimologia germânica. Rafael relembra: “Teve dia que a cabeça explodiu. A gente teve que ir atrás de dicionários muito específicos para encontrar o que era aquilo.”
Essa escavação cultural foi necessária porque o Castles & Crusades não dialoga apenas com o RPG moderno, mas com tradições literárias que remontam à Idade Média e ao romantismo europeu. Traduzir essas referências exigiu não apenas rigor técnico, mas também sensibilidade interpretativa, algo que Rafael define como um equilíbrio entre o rigor e a intuição.
Os Desafios das Escolhas Terminológicas
Um dos maiores desafios surgiu nas escolhas terminológicas, especialmente nos nomes das classes e arquétipos do jogo. Atendendo a um pedido explícito da Troll Lord Games, a equipe evitou traduções já consagradas na linha oficial do D&D, buscando preservar a identidade própria do Castles & Crusades.
Essa orientação levou a mudanças significativas: Fighter tornou-se Combatente, Ranger virou Explorador, e Rogue foi traduzido como Patife — um termo que abrange tanto o ladrão quanto o aventureiro amoral ou caçador de tesouros, sem cair nos estereótipos pejorativos. Rafael explica: “Dentro das propostas do jogo e nas referências literárias, o personagem que acompanharia o cavaleiro seria chamado de patife. Ele não é bom nem mau. Se ele caça tesouros, é só um patife que caça tesouros.”
Cada termo foi escolhido não apenas por seu significado linguístico, mas por refletir o arquétipo narrativo proposto pelo sistema.
Uma Tradução de Princípios, Não de Palavras
A filosofia por trás da tradução foi clara desde o início: não buscar equivalentes literais, mas escolhas que respeitassem a fantasia proposta para cada elemento do jogo. Rafael resume esse princípio: “Quando a gente vai traduzir, é entender qual é a fantasia que tá sendo proposta para aquela classe naquele jogo.”
É por isso que termos como Magician e Illusionist permaneceram como Mago e Ilusionista, enquanto Warlock — classe inexistente no Castles & Crusades — jamais seria traduzido como “Bruxo”, tradução que Rafael considera inadequada e distante do conceito original. O cuidado terminológico foi não apenas semântico, mas simbólico: buscou alinhar a experiência de jogo à proposta estética e narrativa do sistema, respeitando tanto o espírito da obra quanto as expectativas do público brasileiro.
A Taverna Como Metáfora da Tradução e da Comunidade
Para Rafael Mendes, a tradução do Castles & Crusades foi muito mais do que um exercício linguístico. Ela representou a construção de um espaço compartilhado, onde leitores e jogadores não apenas consomem o conteúdo, mas participam ativamente da criação narrativa. Rafael compara essa experiência a uma taverna: um ambiente acolhedor, onde história, linguagem e imaginação convivem sem fronteiras, e onde cada participante contribui para a construção de um mundo coletivo.
Essa metáfora da taverna se estende à proposta geral do Castles & Crusades. O jogo, segundo Rafael, funciona como um grande salão iluminado, com comida e bebida de qualidade, onde pessoas de diferentes origens e gerações podem se sentar, conversar e compartilhar histórias. “É uma taverna grande, com salão bacana, iluminação boa, comida e bebida da hora, onde todo mundo pode sentar, comer, beber, se divertir e ficar tranquilo”, resume.
Nessa taverna cabem tanto os veteranos, que buscam o resgate do RPG clássico, quanto os novatos, que encontram no sistema uma experiência acessível, heróica e narrativa. Mas a convivência entre esses públicos diferentes não acontece de forma automática: ela depende do que Rafael chama de regras invisíveis de boa convivência. “As regras de boa convivência que são superiores a todo conflito geracional, elas têm que existir, senão as pessoas não conseguem se relacionar. Esses são os guardas”, explica.
Mais do que uma figura de linguagem, a taverna expressa a visão de comunidade que Rafael e a Aithos Editora desejam construir no Brasil. Trata-se de um espaço onde a história compartilhada tem mais valor do que as diferenças entre edições, sistemas ou estilos de jogo. Ao contrário de muitos produtos criados para atender algoritmos ou tendências mercadológicas, Castles & Crusades se propõe a ser um ambiente de convivência narrativa, livre dos modismos passageiros da indústria.
A Dimensão Filosófica: RPG Como Encontro, Não Como Produto
Ao final da entrevista, Rafael retoma essa imagem para destacar a dimensão filosófica do projeto. O Castles & Crusades, afirma ele, não é um produto formatado para agradar ao algoritmo ou atender a modas passageiras. É, antes de tudo, um espaço simbólico de encontro — uma taverna onde jogadores veteranos e novos se reúnem para compartilhar histórias, construir narrativas coletivas e cultivar uma convivência saudável.
Essa metáfora sintetiza a essência do Castles & Crusades no Brasil: criar um ambiente sustentável e comunitário, onde o RPG é vivido como experiência partilhada e não como mero consumo de tendências digitais. É um convite para sentar-se à mesa, contar histórias e, acima de tudo, construir juntos o espaço onde o jogo acontece.
Entre o Clássico e o Moderno: Preenchendo uma Lacuna no Mercado
Como dito acima, Rafael observa que o mercado brasileiro de RPG vive um excesso de sistemas de dark fantasy e de jogos super-heróicos baseados em D20. Ele aponta que há uma lacuna clara para um RPG clássico, heróico, mas sem ser arcaico ou excessivamente punitivo. Castles & Crusades, segundo ele, ocupa exatamente esse espaço: “um jogo heróico que não seja super-heróico, que tenha espírito clássico, mas que não seja ultrapassado.” Essa definição surge da convivência com outras gerações e da própria experiência familiar: “Eu falo isso na qualidade de pai. Quando converso com meus filhos sobre RPG, eles descrevem um estilo que parece com o AD&D, mas eles nunca jogaram o AD&D. Eles conheceram a terceira edição.”
A frase que resume essa proposta é clara e que já foi falada: “É clássico sem ser arcaico.” Para Rafael, o Castles & Crusades oferece aos jogadores uma experiência que permite jogar com profundidade narrativa e desafio mecânico, mas sem as complexidades ou arcaísmos que afastariam novos públicos.
O RPG Como Escolha de Vida
Rafael Mendes não mede palavras ao falar da importância pessoal que o RPG tem em sua trajetória. Para ele, Castles & Crusades não é apenas um projeto editorial ou um desafio profissional: é a realização de um sonho que começou na adolescência, quando descobriu o hobby através de um anúncio no fundo de um gibi do Wolverine. Ele lembra: “Se alguém chegasse para aquele garoto e dissesse que um dia estaria traduzindo o terceiro sistema de fantasia medieval mais jogado no mundo, que tem a mão do criador do RPG junto, eu diria: ‘Tá louco, mano’”.
Ao longo da entrevista, Rafael expõe o papel do RPG na construção de seu caráter, na educação dos filhos e nas amizades que cultivou. A paixão permanece intacta, como ele mesmo define, comparando o RPG a uma companheira inseparável: “Ao mesmo tempo que é a boa esposa, no sentido da boa esposa que te acompanha, que tá contigo sempre, é a boa namorada”. Uma relação de companheirismo e encantamento que atravessou décadas e continua alimentando novos projetos.
O Silêncio do Público e a Construção da Comunidade
Perguntado sobre o desconhecimento do público brasileiro em relação ao Castles & Crusades, Rafael não demonstra preocupação. Para ele, o silêncio da comunidade é natural diante de um produto novo e, muitas vezes, invisível no mainstream. “O meio que o público ele se silencia muitas vezes pro que ele não vê. Então, pra mim tá tudo bem”, afirma.
O que realmente importa, em sua visão, é construir uma base sólida, onde a comunidade não apenas consuma o conteúdo, mas participe da construção coletiva do cenário. Nesse sentido, Castles & Crusades é visto como um ponto de encontro e a partilha, e não como um produto fechado em si mesmo.
O que Não Foi Perguntado
No encerramento, ao ser questionado que pergunta que não fizemos que ele gostaria de responder, Rafael revela que gostaria que alguém lhe perguntasse: “Onde você pensou que estaria agora depois de tudo isso?”. Sua resposta é direta, quase confessional. Aos 42 anos, pai de dois filhos e recém-casado pela terceira vez, ele se vê vivendo o sonho que começou no fundo de um gibi: trabalhando com RPG, construindo comunidade e traduzindo jogos do hobby que moldou sua visão de mundo.
Como define em suas próprias palavras, não há preço que pague a experiência de trabalhar com o que ama: “Estou vivendo o meu sonho e isso é algo que para mim não tem preço nenhum”.
O que Esperar em um Futuro Presente
Castles & Crusades, neste momento, não é só um sistema de RPG. É uma promessa, dessas que o Brasil coleciona desde o século XIX e quase nunca cumpre. Uma promessa de que, no meio de PDFs piratas, traduções apressadas e modinhas importadas de Seattle, ainda há quem queira fazer RPG com alma. A Aithos Editora, com seu sotaque mineiro e seu sangue comunitário, parece disposta a algo que vai além da venda de livros: criar um lar. Ou, nas palavras de Rafael Mendes, abrir A Taverna.
O Castles & Crusades que chega ao Brasil não é um resgate arqueológico. Não é fetiche por Gygax, nem rebeldia anti-Wizards. É um convite para sentar à mesa e jogar. Jogo clássico sem ser velho, heroico sem ser infantil, romântico sem ser bobo. Num país onde mestres e jogadores vivem à sombra do próximo financiamento coletivo ou da última treta do Twitter, talvez essa simplicidade seja a revolução silenciosa que faltava.
Rafael não promete milagres. Não vende um D&D killer nem se arvora profeta do indie. Ele abre a porta da taverna, acende as lanternas e chama: venham jogar. Venham construir castelos com as mãos, cruzar pontes com a palavra e tomar cerveja em sua taverna, compartilhando histórias.
No fundo, tudo isso cheira a um Brasil que ainda não aconteceu. Um Brasil em que a comunidade não é só consumidor, mas autor. Em que os mestres não são vendedores ambulantes, mas contadores de histórias. Em que a editora não é apenas o balcão de vendas, mas o taverneiro que conhece cada cliente pelo nome.
Talvez a Aithos não transforme o cenário nacional de RPG. Talvez seja só mais um grito em meio ao barulho do mercado. Mas se for, ao menos terá sido um grito sincero.
E, como diria Nelson Rodrigues, no Brasil até o fracasso precisa ser grandioso. Porque o pequeno sucesso é medíocre. Que venha, então, o Castles & Crusades, com seus bardos sem alaúdes, seus Bárbaros racionais e seus Patifes honestos. Se for para falhar, que seja tentando construir uma taverna onde hoje só existe silêncio.
E que, entre um gole e outro, o RPG brasileiro finalmente lembre: ainda há histórias a serem contadas.
Ainda dá tempo de apoiar: https://www.catarse.me/castelosecruzadas
O post Rafael Mendes: O Taverneiro de Castles & Crusades no Brasil foi escrito pelo Artifício RPG, especialista em conteúdo de RPG em Português!
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Artifício RPG. lançou um novo conteúdo!
Rafael Mendes conta como o RPG moldou sua vida e como Castles & Crusades se tornou mais do que um projeto editorial no Brasil.
O post Rafael Mendes: O Taverneiro de Castles & Crusades no Brasil foi escrito pelo Artifício RPG, especialista em conteúdo de RPG em Português!
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Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas “Overmix” ou “Nandivh”, é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.
No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.
Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.
Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.
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