Introdução ao storytelling: o que é e por que é importante para jogadores de RPG

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Olá, jogadores e jogadoras de RPG! Hoje vamos falar sobre uma habilidade que pode levar suas aventuras a um novo nível: o storytelling. Porém, se você pensou no famoso sistema de jogo de eternizou Vampiro: A Máscara, infelizmente pensou errado.

Storytelling é a arte (e técnica) de contar histórias de maneira envolvente e memorável. Quer você seja um mestre criando uma campanha épica ou um jogador interpretando seu personagem, saber contar histórias de maneira eficaz pode tornar suas sessões de jogo muito mais divertidas e emocionantes. As histórias são a base para qualquer jogo e/ou aventura de RPG e por que isso que compreender os fundamentos e dominar a técnica de storytelling é importante.

Existem muitos recursos disponíveis para aprender mais sobre storytelling, incluindo livros como Sobre a escrita de Stephen King e Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro de Robert McKee. Esses livros podem fornecer informações valiosas sobre como criar histórias envolventes e memoráveis. Além disso existem mais de uma centena de milhares de cursos à disposição. Se tiver interesse, procure por algum que se adeque ao seu perfil de estudo.

Contudo, não se preocupe, pois você não precisa ser um escritor profissional para usar técnicas de storytelling em seus jogos de RPG. Com um pouco de conhecimento, prática e criatividade, qualquer um pode contar histórias incríveis.

A seguir, vamos listar os principais aspectos da técnica de storytelling e ver como podemos usar essa habilidade para melhorar nossas aventuras de RPG.

Introdução ao storytelling: o que é e por que é importante para jogadores de RPG, RPG - Mestre Charles Corrêa

Luke e Yoda, exemplos clássicos de herói e mentor. | Fonte: Reprodução.

Os elementos-chave do storytelling: personagem, ambiente, conflito e mensagem

Existem quatro elementos principais que você deve considerar ao criar suas histórias: personagem, ambiente, conflito e mensagem.

PERSONAGEM

O personagem é o protagonista da sua história. É importante desenvolver personagens interessantes e tridimensionais para que os jogadores se importem com eles e queiram saber o que acontece com eles.

Imagine que você está criando um personagem para uma campanha de RPG de fantasia medieval. Em vez de apenas escolher uma raça e classe aleatórias, pense sobre quem é esse personagem. Qual é a sua história de vida? Quais são seus objetivos e motivações? Talvez ele seja um elfo arqueiro que busca vingança contra os orcs que destruíram sua aldeia natal. Ou talvez ele seja um anão guerreiro que luta para provar seu valor a seu clã. Ao desenvolver um personagem interessante e tridimensional, você pode torná-lo mais envolvente para os jogadores.

E aqui vai a nossa primeira dica: tire um tempinho para montar um pequeno questionário de perguntas ao gerar seus personagens, sejam eles para jogar ou apenas NPCs. No começo isso pode parecer meio trabalhoso e complicado, mas com o passar do tempo (e prática) você verá que isso se tronará uma ferramenta valiosa.

AMBIENTE

O ambiente é o mundo em que sua história acontece. Ele deve ser rico em detalhes e coerente para que os jogadores possam imaginar-se nele.

Você está criando sua campanha de RPG e quer que ela se passe em um reino medieval fictício. Em vez de apenas descrever o reino como “um lugar com castelos e cavaleiros”, pense sobre os detalhes que tornam esse mundo único. Qual é a história desse reino? Quais são suas tradições e costumes? Talvez ele seja governado por uma rainha justa e sábia que luta para manter a paz entre as várias facções em guerra. Ou talvez ele seja assolado por uma praga misteriosa que está matando as colheitas e deixando as pessoas doentes. Ao criar um ambiente rico em detalhes e coerente, você pode torná-lo mais envolvente para os jogadores.

O segredo aqui é não ficar se torturando para criar algo digno de George R. R. Martin, mas também nada tão pobre de conteúdo. A mesma dica da etapa anterior se aplica aqui. Crie uma pequena lista de perguntas, porém, defina uma quantidade máxima de linhas para resposta inicial. Depois, com tempo ou até mesmo com o desenrolar da campanha, você pode ir preenchendo as lacunas que vão surgindo.

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Tatooine, o lugar comum onde se inicia a saga Star Wars. | Fonte: Pinterest.

CONFLITO

O conflito é o motor da sua história. É o que impulsiona a ação e mantém os jogadores interessados. Talvez essa seja uma das partes mais difíceis do processo.

Imagine que sua campanha de RPG envolve os personagens tentando impedir um culto maligno de invocar um demônio poderoso. Em vez de apenas apresentar o culto como “um grupo de vilões genéricos”, pense sobre o que os motiva. Por que eles querem invocar esse demônio? Quais são suas crenças e objetivos? Talvez eles acreditem que o demônio lhes concederá poderes sobrenaturais para dominar o mundo. Ou talvez eles estejam tentando impedir um mal maior ao fazer esse sacrifício. Ao criar um conflito interessante e complexo, você pode torná-lo mais envolvente para os jogadores.

MENSAGEM

A mensagem é o tema ou a moral da sua história. É o que você quer transmitir aos jogadores através da sua narrativa.

Por exemplo, vamos supor que sua campanha de RPG tem como tema a amizade e a lealdade. Em vez de apenas dizer aos jogadores que esses são valores importantes, mostre-os através da narrativa. Talvez os personagens enfrentem desafios que testam sua amizade e lealdade uns aos outros. Ou talvez eles tenham que tomar decisões difíceis que colocam esses valores em conflito com outros objetivos. Ao incorporar a mensagem em sua história de maneira orgânica, você pode transmiti-la de maneira mais eficaz aos jogadores.

Ao considerar esses quatro elementos ao criar suas histórias de RPG, você pode garantir que elas sejam envolventes e memoráveis para seus jogadores. Então, da próxima vez que você estiver planejando uma sessão de jogo ou criando um personagem, pense sobre como você pode incorporar esses elementos-chave em sua narrativa.

Técnicas de storytelling: como criar histórias envolventes e memoráveis

Agora que conhecemos os elementos chave, vamos falar sobre técnicas. Separamos 2 delas que consideramos mais úteis ao serem aplicadas em nossas aventuras de RPG. São elas a Jornada do Herói e as técnicas de Descrições Vívida e Detalhada.

JORNADA DO HERÓI

Talvez a mais famosa e conhecida de todas seja a Jornada do Herói. Você com certeza já ouviu falar a respeito ou leu algo. Essa estrutura narrativa clássica envolve um personagem principal que é chamado para uma aventura, enfrenta desafios e tentações, passa por uma transformação e finalmente retorna para casa com um tesouro ou conhecimento valioso. Sagas famosas como Senhor do Anéis, Star Wars e Matrix, utilizam muito bem essa estrutura.

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Joseph Campbell, idealizador da Jornada do Herói. | Fonte: Britannica

A Jornada do Herói foi popularizada pelo mitologista Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces. Originalmente, ela é composta por 17 etapas, mas ela ficou mais conhecida por apenas 12 etapas depois do enorme sucesso do memorando “The Writer’s Journey: Mythic Structure For Writers” (A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Roteiristas), feito por Christopher Vogler como um guia interno para os roteiristas dos estúdios Walt Disney.

As 12 etapas de Christopher Vogler são:

  1. O mundo comum;
  2. O chamado à aventura;
  3. A recusa do chamado;
  4. O encontro com o mentor;
  5. A travessia do primeiro limiar;
  6. Provas, aliados e inimigos;
  7. A aproximação da caverna secreta;
  8. A provação suprema;
  9. A recompensa;
  10. O caminho de volta;
  11. A ressurreição;
  12. O retorno com o elixir.

(Observação: Alguns destes termos podem aparecer com diferentes terminologias, dependendo da tradução e/ou fonte consultada).

Um exemplo clássico da aplicação da Jornada do Herói, pode ser vista no primeiro filme da trilogia The Matrix (se você ainda não viu, pare tudo e vá assistir!).

No caso de Neo em The Matrix, ele começa como um hacker de computador chamado Thomas Anderson que odeia seu trabalho e está constantemente em busca de algo (Mundo comum). Ele é confrontado com um evento que o faz começar sua aventura: uma mensagem em seu computador dizendo para ele seguir o coelho branco (Chamado à aventura). Ele inicialmente recusa a aventura por hesitação e medo (Recusa do chamado), mas eventualmente encontra um mentor na forma de Morpheus que lhe dá conselhos e informações (Encontro com o mentor). Neo então cruza o limiar para a aventura ao tomar a pílula vermelha e entrar no mundo real (Travessia do primeiro limiar).

Ao longo da história, Neo enfrenta testes (Provas), faz aliados como Trinity (Aliados) e enfrenta inimigos como Agent Smith (Inimigos). Ele passa por dificuldades e obstáculos que levam a uma crise de vida no encontro com a Oráculo (Provação suprema), mas eventualmente consegue uma recompensa que lhe permite enfrentar o maior conflito: ele é o Escolhido e tem poderes dentro da Matrix (Recompensa). No clímax da história, Neo enfrenta um teste final usando tudo o que aprendeu para enfrentar o conflito de uma vez por todas (A Ressurreição). No final, ele retorna ao mundo comum com conhecimento sobre as máquinas e a verdade sobre a Matrix (O Retorno com o elixir).

Agora, colocando esses conceitos em forma prática para nossas aventuras de RPG, poderíamos ter o seguinte exemplo:

Um jovem guerreiro vive em uma aldeia pacífica (Mundo comum), mas um dia ele descobre que um dragão está ameaçando sua aldeia (Chamado à aventura). Inicialmente ele hesita em enfrentar o dragão (Recusa do chamado), mas depois encontra um mago sábio que lhe dá conselhos e um amuleto mágico (Encontro com o mentor). O guerreiro então parte em sua jornada para enfrentar o dragão (Travessia do primeiro limiar) e pelo caminho enfrenta vários desafios e faz novos amigos (Provas, aliados e inimigos).

Finalmente ele chega à caverna do dragão (Aproximação da caverna secreta) e enfrenta o monstro em uma batalha épica (Provação suprema). Depois de derrotar o dragão, ele recebe um tesouro como recompensa (Recompensa) e retorna para sua aldeia como um herói (Caminho de volta). Lá ele é recebido com festa e honra (ressurreição) e usa seu tesouro para ajudar sua aldeia a prosperar (Retorno com o elixir).

Com um pouco de prática e percepção mais aguçada, você encontrará diversos outros filmes, seriados e livros que seguem essa “receita pronta”. Entender como essas etapas são definidas e se conectam vai fazer você criar histórias incríveis.

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Não faça apenas a rolagem de dados, descreva os efeitos mágicos das suas magias. | Fonte: Joshua Cairos – Artstation

DESCRIÇÕES VÍVIDAS E DETALHADAS

Outra técnica útil é o uso de descrições vívidas e detalhadas. Ao descrever personagens, ambientes e ações de maneira vívida e detalhada, você pode ajudar os jogadores a visualizar a cena em suas mentes e se sentir mais imersos na história. Use todos os cinco sentidos para descrever o que os personagens estão vendo, ouvindo, cheirando, tocando e provando. Isso pode tornar a experiência de jogo muito mais rica e envolvente.

Vamos a 2 exemplos práticos:

Descrevendo um ambiente

Em vez de apenas dizer “vocês entram em uma taverna”, tente descrever a cena de maneira mais vívida e detalhada. Por exemplo: “Vocês empurram a porta de madeira pesada e entram na taverna. O ar é espesso com o cheiro de cerveja e fumaça de tabaco. À sua esquerda, um grupo de anões barbudos joga cartas em uma mesa, rindo e bebendo. À sua direita, uma elfa toca uma melodia suave em uma harpa. O taverneiro, um homem corpulento com um avental manchado, acena para vocês do outro lado do balcão.”

Descrevendo uma ação

Geralmente o que experienciamos em mesa é: “você ataca o orc com sua espada, role o ataque”.  Na próxima sessão de jogo, tente descrever as ações de uma forma diferente: “Você puxa sua espada da bainha com um som metálico e avança em direção ao orc. Ele rosna e levanta seu machado, pronto para o ataque. Você desvia habilmente do golpe e contra-ataca com um golpe rápido e preciso. Sua espada corta o ar e acerta o orc no peito, fazendo-o cambalear para trás.”

Dicas para praticar suas habilidades em storytelling

Praticar é a chave para melhorar suas habilidades em contar histórias. Aqui estão algumas dicas e exercícios que podem ajudá-lo a praticar e aprimorar suas habilidades em storytelling.

ESCREVA REGULARMENTE

A prática leva à perfeição, então tente escrever regularmente para exercitar suas habilidades em contar histórias. Você pode escrever histórias curtas, roteiros de RPG ou até mesmo postagens em um blog. O importante é praticar e experimentar diferentes abordagens para encontrar o que funciona melhor para você.

LEIA LIVROS SOBRE O ASSUNTO

Existem muitos livros excelentes sobre storytelling que podem fornecer informações valiosas e técnicas úteis para melhorar suas habilidades em contar histórias. Apesar de muitos livros estarem focados em comunicação para empresas, marketing, etc., eles ainda assim são ferramentas úteis quando se trata da técnica de contar histórias. Entender como grandes marcas como Apple, Disney, Nike e Pixar, por exemplo, constroem, contam e vendem suas histórias, ajuda muito na hora de envolver o seu público.

Separamos uma pequena lista para que você possa começar os seus estudos.

FAÇA UMA LISTA DE PALAVRAS

Um exercício simples que pode ajudá-lo a manter o cérebro afiado para criar é fazer uma lista de palavras. Escreva literalmente quaisquer palavras que vierem à sua mente. Depois, tente criar uma história usando essas palavras. O uso de ferramentas online de anotação como Google Keep, One Note, Evernote ou Notion ajudam muito nesse quesito por serem práticas de usar em conjunto com o celular e depois, poder acessar as anotações no desktop.

CONTE SUA HISTÓRIA PARA DIFERENTES PÚBLICOS

Tente contar a mesma história para diferentes públicos, como sua mãe, seu médico ou uma criança da segunda série. Observe como você adapta sua história para cada público e como eles reagem a ela. Você não precisa contar a história inteira, pode separar pequenos fragmentos e depois, juntar com nossa última dica.

PEÇA FEEDBACK

Peça feedback de outras pessoas sobre suas histórias. Isso pode ajudá-lo a identificar pontos fortes e fracos em sua narrativa e a melhorar suas habilidades em contar histórias. E esteja preparado para aceitar críticas (desde que construtívas, é claro) e recomeçar a história do zero.

 

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Charles Corrêa
Charles Corrêa

Programador Web, Jogador de RPG e Jogos Eletrônicos, Mestre nas horas vagas. Costuma jogar com as classes Paladino, Monge e Feiticeiro de D&D, Dragonborn, Aasimar, Elfo e Meio-Elfo são as Raças favoritas.

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