Como lidar com as leis e punição de crimes em seus jogos

A forma como leis e punições funcionam em um cenário de RPG está diretamente ligada ao nível de desenvolvimento cultural, religioso e político daquela sociedade. Abaixo, apresentamos quatro estágios que podem servir como modelo para estruturar diferentes regiões, reinos ou nações:
Baixo Medievalismo
Aqui, a autoridade da lei vem da fé ou da espada. Leis são ditadas por tradição, religião ou pelo governante local. O julgamento é feito por sacerdotes, chefes militares ou nobres. O povo não tem acesso a representação jurídica. As punições são públicas, severas e exemplares.
Exemplo: Protetorado de Andaluzia do Tormento
Todos os julgamentos são realizados por tribunais eclesiásticos. O clero acusa, julga e sentencia em nome da divindade. Não há apelação. Mesmo disputas civis são resolvidas por padres locais, e desobedecer a essas decisões é uma ofensa religiosa grave. O exército apenas executa as sentenças.
Medievalismo
Neste estágio, o direito começa a se formar, mas ainda é pouco institucionalizado. Juízes são indicados pela autoridade local (geralmente militares ou nobres), e as decisões são baseadas em precedentes e costumes. Advogados são raros e atuam apenas em casos civis ou de grande repercussão. O sistema penal ainda é marcial.
Exemplo: Terras de Girolando
As causas civis são resolvidas por juízes locais nomeados por generais ou governadores. Questões criminais são tratadas por tribunais marciais, divididos por jurisdição. Tenentes ou coronéis têm poder legal sobre regiões inteiras. As penas são aplicadas no próprio local, com exceção de figuras públicas, levadas à autoridade máxima.
Renascentismo
A justiça começa a se consolidar como instituição do Estado, com juízes pagos e tribunais formais. A lei passa a ser escrita, e surgem os primeiros códigos legais. Os advogados aparecem como uma nova elite profissional, embora ainda restrita aos ricos e poderosos. Começa o debate sobre separar polícia e exército.
Exemplo: Domínios de Ruinas da Torre
Juízes são servidores públicos. A justiça penal e cível é centralizada em tribunais oficiais. Advogados atuam em casos de prestígio ou de clientes ricos. Em situações excepcionais, sentenças podem ser revistas pelo próprio primeiro-ministro. O exército ainda cuida da ordem pública, mas há pressão por criação de uma polícia civil.
Iluminismo
A lei é percebida como um direito e uma proteção para o povo. O Estado é regido por constituições ou códigos civis. Tribunais têm hierarquia e são independentes do poder militar ou religioso. O direito é uma ciência, e advogados são amplamente ativos. Há debate público sobre justiça, liberdade e legalidade.
Aqui, as leis protegem tanto o cidadão comum quanto o estrangeiro. Julgamentos são públicos, recursos são previstos, e penas são proporcionais. O Estado mantém cadeias, juízes, defensores e uma força policial própria, especializada em lidar com civis — não soldados.
Emulando Julgamentos
Caso o MJ queira emular um julgamento inspirado nos dias modernos e reais, em seus jogos aconselhamos algumas ideias abaixo. A maioria dos casos será julgada por um júri, que determinará a culpa ou a inocência do réu. Para realizar, o MJ deve avaliar todos os modificadores de julgamento (abaixo) e então rolar 3d6 e comparar o resultado.
Tabela de Julgamento
- 3 ou menos — Condenação total e irrevogável. O réu é julgado culpado sem sombra de dúvida, e sua pena é a máxima permitida pelo crime. Será lançado em masmorra profunda, acorrentado, sem visita ou esperança de liberdade. Não há apelo, nem piedade.
- 4 a 5 — Condenação severa. O réu recebe longa pena em calabouço. Os magistrados não permitem apelações, e qualquer tentativa de revisão é tratada como afronta ao juízo. A sentença é dura, e os recursos, escassos.
- 6 a 7 — Pena pesada com margem de revisão. O réu é condenado, mas há espaço para reavaliação. Um bom patrono ou novas provas podem suavizar sua pena. Será levado a cárcere comum, sob vigilância moderada, com chance de revisão a depender do andamento.
- 8 a 9 — Condenação branda e passível de apelo. O juiz reconhece atenuantes, e a sentença é mais leve. O réu poderá trabalhar para a Coroa, servir em expedições ou cumprir pena sob custódia parcial. Revisões são possíveis.
- 10 a 11 — Pena leve, com alternativas. O réu é condenado, mas pode pagar multa, cumprir serviços à vila ou ficar sob vigilância constante. As portas para revisão são amplas, e a prisão, em geral, é evitada.
- 12 a 13 — Sentença simbólica. O réu é punido com pequena multa ou tarefa cívica, mas jamais verá o interior de um cárcere. Sua culpa é reconhecida, mas tida como leve. O tribunal admite revisão sem resistência.
- 14 a 15 — Condenação quase nula. O veredito se resume a uma advertência formal. O réu sai livre, e a pena é suspensa antes mesmo de iniciar. A própria corte trata o caso com leveza e predisposição à clemência.
- 16 a 17 — Inocência provada. O tribunal reconhece a nulidade das acusações. O réu é absolvido e libertado imediatamente, com honra restaurada. Nenhuma pena lhe é atribuída.
- 18 — Absolvição gloriosa. O réu é declarado inocente com apoio do povo e dos nobres. A justiça se retrata. Pode-se até cogitar compensação por danos morais ou reconhecimento público de erro judicial.
MODIFICADORES DO JULGAMENTO
Por notoriedade do acusador -1 (até -4)
Por notoriedade do defensor +1 (até +4)
Cada evidência sólida contra o réu -2 (até -6)
Cada evidência sólida a favor do réu +2 (até +6)
Cada testemunha de acusação +2 (até +6)
Cada testemunha de defesa -3 (até -9)
Cada testemunha para a acusação -4 (até -12)
Cada testemunha “alibi” ou testemunha ocular para o réu +5 (até +15)
Prisão em flagrante -10
O mestre pode e deve se inspirar nesse modelo para criar seus próprios julgamentos.
Cada reino tem suas próprias leis e aqueles encarregados de aplicá-las, com algumas variações regionais consideráveis. Contudo, algumas áreas têm menos regras do que outras e algumas regiões abrigam juízes e executores particularmente tendenciosos. Os cidadãos podem precisar lidar com isso como uma questão de sobrevivência, como pelo pagamento de subornos ou por proteção. Se tais medidas forem um peso menor e aplicadas de maneira previsível, elas podem não afetar a vida diária indevidamente.
A depender do nível de civilidade e instrução de uma região, uma crime passa por julgamento, com direito a reivindicações e todo um processo justo. A maioria dos locais possui os crimes estabelecidos gerais e alguns bem específicos. Boa parte das punições são públicas, como um espetáculo. Alguns reinos possuem leis regidas e escritas em éditos de papel ou pedra, outras extremamente frouxas e repassam os consensos via oralidade.
Abaixo alguns parâmetros de crime e punições. Normalmente um crime simples recebe uma punição leve. Um crime médio uma punição média e um crime grave uma punição pesada. Mas isso não é uma verdade, fazendo com que o criminoso enfrente penas mais pesadas a depender de detalhes, envolvidos e agravantes. Todavia, um crime simples recebendo uma punição pesada, deixará claro que ocorrem injustiças, manipulação ou excessos.
- Crimes Simples: Brigas desarmadas, arruaça, furto sem violência, calúnia, falso testemunho, falação inapropriada, embriaguez, agressões
- Crimes Médios: Reincidência de crimes simples, brigas armadas, furtos com violência ou de valores maiores, insurgência e rebeldia, incêndio, destruição de propriedade, arrombamento, sonegação de imposto menor, contrabando, furto maior
- Crimes Graves: Várias reincidências de crimes simples e médios, assassinatos, furtos muito, grandes, sequestro, fraudes em impostos e outros pagamentos reais, atentado á honraà honra da nobreza, falsificação, pirataria
- Punições leves: Noite no tronco, uma ou 1d6 noites na cadeia, açoitamento leve, trabalho forçado, multa em dinheiro.
- Punições Médias: Açoitamento pesado, trabalhos forçados extensos ou pesados, prisão por semanas ou meses, recrutamento militar forçado, gaiola, tortura, espancamento, mutilação leve, lançamento ao exílio.
- Punções Pesadas: Mutilação pesada, tortura, enforcamento, afogamento, prisão por décadas, morte por fogo, morte por inanição na gaiola, morte por trabalho forçado.
Bandidos para serem capturados (1d12)
Há muitos criminosos para serem capturados e isso acaba atraindo caçadores de cabeça, em busca das suas recompensas.
- crimes simples vão de 10 a 50p
- crimes médios vão de 100 a 200p
- crimes graves 200 a 500p
Isso não é uma regra e o alvo pode acumular vários crimes, com várias recompensas também acumulados.
Algumas recompensas são pagas para o alvo vivo ou morto, ou apenas para uma das situações
1–5. Vivo ou morto
6–7. Somente vivo
8. Vivo vale mais (recompensa extra)
1.Carlos “Dente de Cavalo” era um contador rural que acabou desviado pela ganância. Especializou-se em fraudes de terras, falsificando escrituras e desviando pequenas fortunas de velhos proprietários sem herdeiros. Sua recompensa é de 50 p— ou muito mais, se pegar ele com os livros.
2. Miguel “Ventania” ganhou esse apelido por ser rápido demais pra um vaqueiro comum. Roubava rebanhos inteiros durante a madrugada e já tava longe antes do sol nascer. O gado sumia como vento. Recompensa: 75p, ou muito mais se descobrir todo seu esquema de tráfico de gado.
3. Ignacio “Tigrão” tem fama de bruxo — dizem que faz assombração nos vilarejos só pra assustar e depois extorquir os moradores em troca de proteção. Já foi visto rondando cemitérios e benzendo túmulos com voz grossa e olhos vermelhos. Recompensa: 100p.
4. Luzia “Ranca Tora” é conhecida por seu jeito bruto. Acostumada a laçar cavalo no laço e na pancada, roubava montarias valiosas e sumia pelas trilhas. Só reaparecia nas feiras, vendendo os bichos como se fossem seus. Recompensa: 90p.
5. Pedro “Pedrada” já foi apanhador de manga e virou contrabandista. Esconde drogas, armas ou livros proibidos dentro de sacas de farinha, enganando fiscais com cara de bobo. É peça importante de um esquema de tráfico ilegal. Recompensa: 120p.
6. Salvador “Perna de Pau” é mestre do disfarce. Com uma perna de madeira falsa que usa como esconderijo dos seus disfarces, já assumiu pelo menos sete identidades. Casou três vezes com nomes diferentes, aplicando golpes em todas as noivas. Recompensa: 150p.
7. Francisco “Sabugo” não teve piedade: matou um guarda que tentava prendê-lo por baderna. O ato foi frio, num beco, com testemunhas, deixando mais um morto e dois feridos na fuga. Desde então, desapareceu como se nunca tivesse existido. Recompensa: 150p, tornou-se uma questão de honra.
8. Sebastião “Geniúdo” faz pose de intelectual, mas sua esperteza é pra enganar. Falsificava antiguidades e promovia leilões armados, vendendo objetos vagabundos como relíquias de reis. Recompensa: 170p.
9. Matheus “Chuta Chuta” envolvido com esquema de apostas ilegais e interceptação de mercadoria roubada. Contrabandeia ervas raras, pólvora e peças de arma, tudo escondido entre mercadorias de feira. Recompensa: 180p.
10 Charlito “Xerife” já foi carcereiro, mas virou traidor. Ajudou vários criminosos a escaparem em troca de parte de saques. Agora vive se passando por “homem da lei” em cidades pequenas liberando prisioneiros. Recompensa: 200p.
11. Andrés “Boleta” tinha cargo de confiança e roubou documentos de importância política — listas de devedores, registros de herança, coisas assim. Vendeu tudo no mercado ilegal. Recompensa: 270p.
12. Valentim “Papagaio” adora plateia. Organiza duelos ilegais em fazendas afastadas, com apostas e mortes encenadas. É um espadachim ardiloso e ainda mais rápido com a língua. Organizou duelos e matou pessoas imporantes. Recompensa: 320p.
Leis e Julgamento, Crime e Punição was originally published in BREU on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
———————-BREU – Medium
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Charles Corrêa, também conhecido pelas alcunhas “Overmix” ou “Nandivh”, é um apaixonado por RPG e desenvolvimento web. Residente em Porto Alegre/RS, estuda programação desde 2001 e trabalha na área desde 2010.
No mundo do RPG, iniciou sua jornada como jogador em 2014 e, desde 2018, dedica-se a mestrar campanhas envolventes e desafiadoras, especialmente dentro dos gêneros de horror e dark fantasy.
Com experiência em sistemas como D&D 5e, Pathfinder, Cthulhu Dark, Vaesen e, mais recentemente, Savage Worlds, Charles também nutre uma curiosidade especial por Rastros de Cthulhu.
Conhecido entre seus jogadores como um mestre sádico, ele adora desafiar até mesmo os mais experientes combeiros, criando missões e encontros que exigem estratégia e criatividade. Inicialmente utilizando o Roll20 como plataforma, atualmente conduz suas campanhas no Foundry VTT, sempre buscando formas de melhorar a experiência de seus jogadores, aplicando seus conhecimentos em programação para aprimorar a jogabilidade e imersão.
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